Sérgio
e Roque ficaram amigos no mesmo dia em que se tornaram vizinhos, muro com muro,
na praia de Nazaré, na paradisíaca Ilha de Itaparica. Não sei quem comprou a
casa primeiro mas, assim que se viram dentro do mesmo condomínio, donos de imóveis
contíguos, a conversa começou a fluir como se fossem colegas desde a escola
primária.
As
duas casas tinham uma entrada pela rua asfaltada, por onde se chegava de carro,
e uma outra que ficava no lado oposto, literalmente dando na areia da praia,
com um portãozinho baixo, num muro idem, e toda aquela vista belíssima da praia
em que o olhar se perde, não importa o lado pra onde se olha.
Não
tinha um único verão que Roque e Sérgio não passavam juntos, na Ilha, com toda
a família. Inclusive normalmente programavam muitos eventos e almoços em comum,
como se as duas casas fossem uma única só morada. As esposas, os filhos, os
amigos e os convidados agregados já eram todos pertencentes às duas famílias e
não apenas a uma delas. Algumas vezes eles até combinavam a comida, ficando
cada casa responsável por uma parte específica.
Naquele
dia o Roque acordou bem cedo e ficou no portão da praia, olhando o tempo passar.
Vindo na sua direção, um rapaz com um carrinho de mão cheinho de cocos tinha
dificuldade em se mover na areia fina, o que chamou a atenção dele. Quando
chegou perto o rapaz largou o carrinho, enxugou o suor da testa, tirou o boné e
disse:
–
Bom dia, senhor. Quer comprar um coco? Tá bem verdinho, cheio de água, bem
docinha, e a essa hora da manhã é como uma benção do Senhor do Bonfim.
O
Roque olhou meio sem vontade pro carrinho e já ia dizer que não quando foi
cortado:
–
Repare, eu vendo a cinco cada um, mas pro senhor eu vou fazer três cocos por dez,
só pra eu abrir as minhas vendas e começar a me exercitar pra o dia longo que
vem pela frente.
Então,
o dono da casa disse Ok e, surpreso, achou meio estranho quando de repente o
vendedor começou a fazer tantos exercícios pra um trabalho que se resumia em
usar o facão e abrir um simples coco verde. Aí, no minuto seguinte o rapaz
parou os alongamentos, tirou a camisa e, num pulo, subiu no coqueiro que ficava
do lado de dentro da casa do Roque. Sem nenhuma ajuda, sem cordas nem escada,
nada, só com a força dos braços e pernas, o sujeito abraçou o tronco do
coqueiro e, com toda a naturalidade, foi se espichando até o alto. De lá de
cima avisou pro homem sair da frente e lançou três cocos no chão de areia.
–
Peraí, mas você vai me vender os cocos que já são meus, do meu próprio
coqueiro, da minha casa? – perguntou um Roque incrédulo, assistindo o homem descer.
–
Repare meu rei, o coco tá lá em cima e o senhor tá aqui embaixo. Eles já estão bem
maduros, como o senhor tá vendo. Agora, pensa no perigo de um deles cair de lá
e machucar alguém da sua família, uma criança, bater no seu barco ou mesmo
naquele jetski ali novinho. Então, eu não estou vendendo só o coco, mas sim o
meu serviço de pegá-lo no coqueiro, livrando o senhor do perigo e preservando o
seu patrimônio aqui, né?
Só
deu tempo do Roque dar um sorrisinho de consentimento e, já assumindo a
derrota, fazer a proposta:
– Sujeito, tu é muito baiano mesmo. Olha só o rolo que tu me deu, aqui na minha
casa, com esse papo malandro, no meu coqueiro, o meu coco, tal, essa coisa do
patrimônio aí que tu falou, só me enrolando.
–
Que isso, painho? Eu quero o melhor pros
meus clientes.
–
Tá, eu vou lá buscar as tuas dez pratas, mas tem uma condição pra gente fechar
essa parada. Eu vou chamar o meu amigo aqui do lado, o meu vizinho, que diz que
é carioca esperto e tu vai vender a mesma coisa pra ele, vai subir no coqueiro
da casa dele e fazer tudo igualzinho que fez comigo.
–
Claro, chefia. Fechado então. Se é assim, vamos lá chamar o seu vizinho e eu
vendo os cocos pra ele também.
– Mas
não pode ser dez pratas não. Pra ele tem que ser 15.
– E
por quê? – perguntou o vendedor.
–
Porque eu sou
mais esperto que ele. E depois, assim ele não vai poder tirar sarro de mim quando
souber que eu também comprei os cocos do meu próprio coqueiro, mas paguei só dez
e ele 15, hahaha.
E seguiram
alegres, com os sorrisos encobertos e caras de traquinas, pra chamar o pobre do amigo
Sérgio que, dali a instantes, estaria sendo a vítima da vez e iria levar um
rolo bem dado não mais de um só vendedor, mas de dois.
Imagino
hoje em dia eles contando essa história pra alguém. Claro que devem dar boas
risadas e sei também que cada um deve jurar que foi o outro que pagou 15 e não
10 pratas pelo coco, afinal nesta farsa teatral baiana só tem uma vaga pra
esperto. O outro é o outro, meu rei.