Quatro
é ímpar! Gritou a professora, dando a vitória do par ou ímpar ao menino Anéscio,
que teve a preferência de montar o time de futebol, escolhendo o craque da escola
pra jogar ao seu lado. Contam que naquele jogo, assim como em outros, os
professores só marcavam impedimento para o outro time e os pênaltis somente para
a equipe no Anescinho eram comuns. Não adiantava reclamar.
Na
cantina da escola, ainda em Belo Horizonte, quando todos os alunos se
acotovelavam pra fazer o seu pedido de lanche, o menino Anéscio contava com a
ajuda do amigo Fumaça para abrir espaço na multidão até o balcão. Forte e mal
encarado, Fumaça era eficiente em espancar quem o patrão mandava, sem dó nem
piedade.
Protegido
pelos professores e também pelos inspetores do colégio, o diretor e o padre, o
menino achava tudo aquilo muito normal. Se calhasse de não gostar de algum
professor, a direção logo o substituía sem maiores delongas e até na quadrilha
da festa junina ele escolhia a menina que ia ser a noiva, já que ele era sempre
o noivo no casamento da roça. Quer dizer, nem sempre. Algumas vezes ele preferia
fazer o papel do pai da noiva, aquele sujeito que interrompe a cerimônia dando
tiros pro alto e põe o noivo pra correr dali. Mas isso dependia sempre da escolha
de Anescinho. Era ele quem escolhia.
Quando
foi morar no Rio de Janeiro, no bairro do Leblon, trouxe toda a experiência da
antiga cidade, inclusive com novos amigos eficientes na arte de espancar quem
ele mandasse. Na cidade nova todos o conheciam e ele tinha trânsito livre,
literalmente, pois estacionava em locais proibidos, avançava os sinais, dava
fechada em todo mundo, entrava na contramão e quando as multas chegavam o
tenente Figueirinha, amigo da família, era o incumbido de ir lá no Detran
apagar os registros das suas infrações.
Foi
no Rio que o nosso Anéscio conheceu Eduardo Alcunha (o Dudu) e Cabralzinho,
filho do grande jornalista Cabralzão. Uma amizade entre os três então se criou e
resultou em fortes laços, embora mais tarde os dois amigos tenham sido presos e
ele não, ajudado na ocasião por um outro grande amigo, Ágil Marmendes, um tipo
de cara que poderíamos dizer que seria uma mistura do Fumaça com o Figueirinha,
só que no âmbito dos tribunais propriamente.
Ilibado
e de honestidade famosa na sociedade carioca, Anéscio então se enveredou de vez
pela política, evolução lógica para as suas habilidades diante da existência
no planeta. Com aquela trajetória, só mesmo a política pra abrigar tão
eloquente e bem forjado talento. Em pouco tempo ele ganhou fama nacional com
esse seu jeito de ser, sempre tendo de agir aqui e ali pra destituir alguém,
pra calar um desafeto ou adversário, ou ainda para conseguir algum apoio na
base da força, como fazia pra comprar uma coxinha na cantina da escola. Aliás, dizem que comprar coxinha sempre foi o seu forte durante toda a vida. E quando alguma
coisa não ia bem para o seu lado alguém logo gritava “quatro é ímpar” e a
disputa então pendia mais uma vez para ele.
Recentemente
Anéscio quis ser presidente. Muito querido por todos, pelos jornais, revistas e
tevês do país, sua decisão de concorrer ao pleito recebeu grande impulso do
famoso sociólogo Ferrando Henrico Garboso, um tipo de cara que poderíamos dizer
que seria uma mistura do padre com o diretor do colégio da sua adolescência, só
que no âmbito do liberalismo aconselhatório periférico elementar.
As
coisas iam caminhando bem. Seu nome era cada vez mais festejado e ele montou a
sua chapa junto com o colega Ajuízio Nunes, um tipo de cara que poderíamos
dizer que seria uma mistura do Dudu Alcunha com o Cabralzinho, só que no âmbito
partidário. Os jornais continuaram festejando a sua vitória iminente até que,
por um lapso do destino, numa efêmera e errônea manobra dos astros, por improvável
e surpreendente desdita, ele perdeu. Pela primeira vez na vida ele perdeu.
Anéscio
então recorreu aos tribunais. Vingar-me-ei, teria dito, insuflado por um amigo
obscuro. Pediu recontagem, impugnação da chapa vencedora, abuso de poder
econômico. Nada. Ao contrário, a denúncia que emergiu foi justamente contra ele
e pedia a sua prisão imediata, algo que só não aconteceu por intervenção direta
do seu amigo de sempre, o Ágil, aquele da corte superior.
Inconformado,
já que não foi presidente ele então profere que não tenha mais país algum.
Chega de país! E com determinação, ele ainda tenta uma cartada, um acordo final
pra o grande jogo, o bom e velho jogo de par ou ímpar.
E
foi então que ele descobriu, tardiamente, que quatro é par.