por André Loureiro
Como de costume, fui um dos últimos a embarcar e, após passar pelo
portão do saguão do aeroporto de Congonhas, estava esperando, ainda a alguns
metros da porta do avião, os últimos passageiros se acomodarem para que eu
pudesse entrar.
Havia mais ou menos três pessoas entre eu e a porta de entrada do avião
quando, de repente, um dos passageiros que já havia se acomodado na primeira
fileira levantou e passou, se apertando entre malas e comissários, para usar o
banheiro que ficava na parte da frente do avião.
Apesar de minha visão estar bem encoberta e o tal passageiro ter passado
praticamente de costas pra mim, alguma coisa nele me chamou atenção naquele
segundo. Eu pensei na hora: “Nossa! Esse cara parece o Djavan!” Mas no segundo depois voltei à realidade e
pensei: “Mas eu nem vi direito, ele estava de costas, não deve ser.”
A fila andava lentamente. Eu seguia em conflito comigo mesmo tentando
raciocinar se poderia ser ele e torcendo pro tal passageiro voltar logo
enquanto eu estava ali perto, para acabar com a minha dúvida. Mas continuava
repetindo pra mim mesmo: “Era o Djavan! Era ele com certeza!” E ao mesmo tempo
pensava: “E se for ele? O que eu vou fazer?”. Enquanto a fila andava, peguei o
celular e fui pesquisar nas redes sociais. Vi que o Djavan, o próprio, havia
feito um show na noite anterior, em Santos. Era a estreia da nova turnê. A
probabilidade de ser ele era maior. Meu nervosismo aumentou consideravelmente.
Fui entrando no avião e andando para a minha poltrona, tradicionalmente
a última. Andava para frente no estreito corredor, parava e olhava para trás,
torcendo para que o homem de óculos escuros e casaco roxo saísse do banheiro e
eu tirasse essa ideia maluca de que o Djavan estava no mesmo voo que eu. Mesmo
com o corredor livre à minha frente continuei andando devagar e olhando pra
trás. Olhei uma, duas, muitas vezes até chegar no final do avião, e nada.
Cheguei na última fileira, me acomodei e estiquei o pescoço o máximo que
pude para tentar enxergar quando o passageiro da primeira fileira voltasse ao
seu assento. Segundos depois, ele voltou. E apesar dos quase 30 metros de
distância entre as poltronas, os óculos escuros e meu astigmatismo recém
diagnosticado, tive uma certeza apavorante: ERA O DJAVAN!
Sentei no meu lugar sem acreditar no que tinha acabado de ver. O cara
que eu mais gosto na música brasileira estava ali, a poucos metros de mim.
Senti um misto de euforia enorme (de querer tomar alguma atitude, para não
deixar passar a oportunidade de falar com ele) com uma incerteza frustrante.
Percebi que todos os passageiros já haviam sentado, o avião estava se
preparando para decolar e não tinha nada que eu pudesse fazer para chegar até a
primeira fileira. Simular um infarto funcionaria? Funcionaria! Valeria a pena?
Sem dúvidas! Mas eu preferi raciocinar um pouco mais antes dessa medida
drástica...
O avião começou a andar pela pista e eu só pensava em como conseguiria
falar com ele. E o mais importante: O QUE eu falaria. Passei o voo inteiro,
INTEIRO, pensando em tudo que eu queria falar pra ele. (E foi ótimo, porque nem
eu tinha me dado conta que era tanta coisa.)
Queria contar pra ele que eu toco violão desde os meus 9 anos de idade e
que passei minha vida inteira ouvindo e tocando quase todas as músicas dele. Que
as músicas dele eram sempre desafiantes enquanto eu estava aprendendo a tocar,
que ele me ensinou muito com os arranjos, os acordes e as batidas diferentes
que ele sempre usou. Que no mesmo dia, horas antes, quando eu estava indo para
o aeroporto de São Paulo, de carona com um amigo que também toca violão,
comentei o quanto era fã dele! O quanto ele era o artista que eu mais tocava no
violão.
Que dois dias antes, meu pai tinha me mandado por e-mail a cifra da
música Meu Romance/Esplendor, que ele canta no álbum novo, com o Jorge Drexler.
Que sempre que nos reunimos é uma infinidade de músicas dele pra todo lado. Que
meu avô TODA VEZ pedia pra gente tocar “Retrato da Vida” e se emocionava
enquanto cantava.
Que eu e meu pai ficamos brincando que se, um dia no show, ele perguntar
se alguém quer subir e tocar uma música com ele a gente vai levantar a mão e
pedir pra tocar. Que conheci o filho dele, Max Viana, uma vez na Lapa, no Rio,
em um evento em que a banda em que ele tocava recebia algumas pessoas que
quisessem cantar com eles. Que acompanho o neto dele, o Thomas Boljover, pelo
Instagram e que eu sou muito fã! Que ele tem um talento absurdo também!
Que ele não tem ideia de quantos momentos a arte dele me fez bem. Que
pra mim ele é um ídolo em um nível muito além da musicalidade. Que tudo que ele
escreveu, cantou e tocou, me ajudou a ser, além de um melhor violonista, um ser
humano melhor.
Que toda a poesia e sensibilidade por trás de cada verso dele foram
fundamentais pra eu construir a minha forma (nem tão poética, nem tão brilhante),
de enxergar a vida. Era muita coisa pra falar, e eu não sabia nem se
conseguiria chegar perto dele.
Eis que o avião pousou. Eu tentei levantar e andar um pouco mais para
frente, mas sem muito sucesso. O pessoal começou a tirar as bagagens, aqueles
procedimentos todos de segurança, demorados. E eu percebi que eu só teria uma
chance: Era torcer pra que ele tivesse despachado alguma bagagem e eu
conseguisse chegar até a sala das esteiras antes da bagagem dele aparecer. Era
isso ou nada. Se ele tivesse só com uma mala de mão, dentro do avião, sairia
logo pela porta da frente, iria embora e, até eu sair, já seria tarde.
Assim que a porta abriu ele foi um dos primeiros a sair. Eu já não tinha
mais nada mesmo a fazer. Só torcer. Minha vontade era gritar: “Galera! O Djavan
está logo ali! Vocês já se deram conta disso???”
Esperei o pessoal todo sair e a cada minuto, eu já desacreditado,
pensava que talvez a simulação do infarto não teria sido uma ideia tão ruim
assim e que um bom advogado talvez pudesse me conseguir alguma pena alternativa
por crime contra a segurança da aviação civil.
Enfim, consegui sair do avião e fui correndo, literalmente, pelo saguão,
descendo as escadas rolantes que nem louco até a sala onde estariam as malas.
Olhei no painel e vi que era na última esteira, da última sala do aeroporto.
Pensei: “Bom, eu imagino que o Djavan não tenha saído correndo pra buscar a
bagagem. Então, quanto mais longe, melhor pra mim”.
Quando cheguei finalmente na tal sala, olhei logo pra quem estava no
entorno da esteira e não vi nada. Ainda de longe, procurei com mais calma por
toda a sala e lá estava ele! Djavan, o próprio! Um pouco afastado dos demais
passageiros, próximo a porta de saída, olhando para a esteira à espera da
bagagem e sozinho.
Meu coração disparou absurdamente. Mas eu não podia pensar, não tinha
tempo a perder. Precisava logo tomar alguma atitude. Respirei fundo, lembrei
dos 10 segundos de coragem que às vezes precisamos usar na vida, e fui falar
com ele.
O que aconteceu a partir daí foi uma coisa inédita na minha vida.
Simplesmente uma impossibilidade de raciocinar. Não consegui falar praticamente
nada do que eu tinha ensaiado! Comecei falando uma coisa, aí falava outra, e
não terminava a frase, e meu coração acelerava, e os olhos cheios d´água...
A cada frase que eu não conseguia completar, e ele tentava responder com
aquela voz de Djavan, eu ficava mais nervoso! Ele perguntou meu nome, falou do
violão, do Max, demonstrou surpresa quando eu disse que era fã do Thomas,
comentou da nova turnê... Depois de alguns longos segundos, percebi que eu era
realmente incapaz de me comunicar com alguma dignidade. Que é humanamente
impossível se manter civilizado quando se dá de cara com um ídolo dessa
magnitude.
Minha vontade era falar: “Cara, tá indo pra onde? Vai fazer o que hoje?
Vamos marcar de tocar um violão? Eu chamo uns amigos, você chama uns outros...
quero ver em que tom você toca Flor de Lis! E Outono? Cara, essa música é um
absurdo! Foi você mesmo que escreveu? De onde você tirou? E “açaí guardiã”? De
onde veio? E “Delírio dos Mortais”?! Essa música deveria ser o hino do Rio de
Janeiro!! É linda demais! E “Solitude”?!? Aquilo é uma obra de arte! Orquídea?!
Do álbum Vesúvio! É impossível de cantar aquilo! PESSOAL!!! Esse cara aqui é o
Djavan! Vocês têm noção??? Podem vir aqui, um por um, dar um abraço nele e
agradecer por ele existir!”
Mas me mantive civilizado e pedi apenas uma foto mesmo. Agradeci muito
muito. Apertei a mão dele 12 vezes em 2 minutos e saí andando completamente
desorientado. Nem vi se a foto tinha ficado boa, não conseguia me comunicar com
ninguém, nem pra contar o que tinha acontecido. Fiquei andando em círculos no
aeroporto, tentando me recuperar. Passei dois dias em estado de choque
repetindo: “Eu encontrei o Djavan! Eu falei com ele! Ele sabe meu nome!” E
prometi que, um dia, com calma, contaria essa história e tudo mais que não
consegui falar pra ele.
Agora, além de todas as lembranças que eu já tinha quando tocava as suas
músicas, tenho mais essa. Só fica faltando subir no palco e tocarmos uma música
juntos. E pode deixar que eu não tentarei falar nada dessa vez.
Eu juro!