Michael
e Rubens trabalharam na mesma empresa durante seis anos. Um companheirismo que
se dava debaixo de alguns solavancos, dentro dos difíceis limites da competição
que a própria natureza esportiva fomentava.
Desde
sempre o talento dos dois era motivo de comparação e a própria companhia deixava
claro o papel de um e outro dentro do campeonato. Diziam sempre que tudo
aquilo, todo aquele circo, não era nada além de negócios e isso, somente isso,
era o que importava.
Alguns
momentos de amizade até surgiam, aqui e ali, entre aqueles dois rivais, nem tão
rivais assim, e, dentro de cada episódio, ambos aproveitavam pra relevar que o
time estava sempre em primeiro lugar e que o trabalho em equipe exigia dos dois
aquela postura, sempre que possível.
Com
os anos se passando, as trajetórias de Rubens e Michael foram se distanciando.
Enquanto um se tornava multicampeão, recebendo muitos prêmios e batendo muitos
recordes da categoria, o outro penava pra ser competitivo, pra continuar se
divertindo, como ele mesmo dizia.
Mesmo
depois de trocar de time, passando a competir em outras escuderias, Rubens até
era elogiado por ser um exímio acertador de carros, um cara que, diziam, jogava
pro time, mas, definitivamente não vencia as corridas e seu desempenho não
estava à altura do antigo companheiro.
Sua
trajetória então foi, pouco a pouco, se tornando motivo de piadas, tanto nos
veículos oficiais quanto nas redes eletrônicas, e os humoristas se
multiplicavam em criar esquetes anedóticas com o nome do Rubens. Michael
embarcava nas oportunidades, sempre colaborando com elas. Em uma entrevista coletiva,
em 2006, um humorista perguntou o que ele faria se acordasse, em uma manhã
qualquer, no corpo de Rubens. Michael, diante dos jornalistas, na mesa, fez uma
cena esfregando os olhos para responder que sua reação seria chorar. A plateia
e os entrevistadores riram, sem reservas.
Dentro
das escuderias, entretanto, os colegas sempre apontavam que Rubens era um cara
comprometido com o desenvolvimento dos produtos, com o aprimoramento da equipe,
até mesmo dos pilotos mais novos, futuros concorrentes. Também nos diversos programas
de pesquisas de componentes, de peças, de combustíveis e na aerodinâmica, entre
outros, ele sempre estava envolvido e ajudando, sendo que a sua camaradagem no
trato com todos era sempre o lado mais citado.
A
verdade é que, durante todo esse tempo, jamais se viu ou ouviu de Rubens uma mínima
reclamação quanto às piadas, às alusões aos seus tempos ou o desempenho nas
corridas. Claro que ele ficava triste, mas quando algo de ruim assim surgia ele
simplesmente procurava as alternativas ao seu alcance. E quando vencia alguma
prova ele voltava a ser menino. O menino que festeja com toda a sua turma. O
menino de Interlagos que, aos seis anos, olhava os carros de Fórmula 1 de cima
da laje da casa da avó Izaura.
Recentemente,
num domingo, agora em maio, uma cena mexeu comigo quando liguei a tevê naquele
final de manhã. Estava acontecendo a premiação de uma corrida que tinha acabado
de acontecer, em Goiânia. No alto do pódio, recebendo o troféu, o Rubens. O
mesmo Rubens, de olhos marejados, cabelos parcos, alçava a sua taça e oferecia a
toda a sua equipe. Enquanto todos aplaudiam, o locutor anunciava o seu nome,
que ecoava pelas arquibancadas. Posso jurar que vi muitos pilotos e também
vários componentes das outras equipes ali, em volta do pódio, aplaudindo e
fazendo festa com aquele alegre campeão.
Para
mim, ali estava o retrato de um cara digno. No meio dos abraços vi surgir um
menino, provavelmente filho de um dos pilotos vencedores, escalando o palco pra
ficar junto do pai. Notei que ele olhava muito pro campeão enquanto este
festejava e, quando o pai deu uma brecha, ele foi até o Rubens, oferecendo a
mão espalmada pro alto, como os adultos faziam. Os dois então bateram as mãos,
como duas crianças, trocaram um abraço e o pai, não conseguindo segurar o
ímpeto, se juntou aos abraços dos dois.
Depois
de subir no teto carro com a taça, banhado de champanhe, finalmente chegou a
vez das entrevistas. E foi legal perceber que, enquanto ele falava, as pessoas
iam passando por ele e, mesmo diante dos microfones, iam interrompendo, sem
reservas. Um dava um tapinha no ombro, outro um abraço, um apontava o dedo em riste
indicando o número um, outro um beijo no rosto, ou um afago, ou um “valeu”.
Eram tantos, que a entrevista custou a terminar.
Eu
estava estático, de pé, assistindo toda a celebração e ouvia ele dizer aos
jornalistas que o que ele amava mesmo era estar atrás de um volante, dentro de
um cockpit, acelerando numa curva e
ouvindo o ronco dos motores e o cheiro dos pneus. Qualquer que fosse a corrida,
a modalidade, enquanto ele tivesse forças pra continuar se divertindo, as
pistas seriam o seu lugar preferido. Em seguida vieram os cumprimentos dos
repórteres e os devidos parabéns.
Definitivamente,
ali na tela estava um cara bacana, que deu uma bela volta por cima no autódromo
da vida. Um cara que tinha tudo pra desistir de correr, desistir de tentar ou
desistir de se expor a novos fracassos diante do seu país, mas que estava ali
levantando uma nova taça, ainda competitivo no seu campeonato. Um sujeito que,
provavelmente, vem guardando somente as boas memórias da vida e que muda
rapidamente de fisionomia quando o assunto é o estado de saúde do bom e velho
Schumi, como ele mesmo diz.
E
eu passei aquele domingo lembrando a trajetória, a carreira e o destino obstinado
daqueles dois pilotos. Pensando nas idas e vindas das amizades que cultivei, apostei
e perdi. Nas pessoas com quem fui justo, ou não, e nas escolhas que eu também
terei de fazer nessas curvas do caminho que ainda me restam.
Que
ainda me restam.