sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Proparoxítonas


O esforço é hercúleo, na memória, quando o assunto é encadear palavras proparoxítonas. De empenho homérico, a tarefa nos leva a famosa ária La Donna è Mobile, que propicia bom ritmo ao texto. Mas as conjugações satíricas, sempre enfáticas, nos levam por caminhos côncavos, quiçá oníricos, próprios das fábulas que algum arquétipo supõe.
Por mim, pessoalmente, se la donna è mobile, o México é árido e a rúcula é ácida, assim como a bulha é azáfama. No caso do cântico, o palco, o úmido seria o antídoto, de modo efêmero, diante do míope e estético piso íngreme, mantido aí o sólido, pelo tático do ritmo que tem em toda sílaba.
O bárbaro é perceber, na tal música, o espaço cênico, em amálgama ao veio dramático, através da têmpera firme da câmara, que evidencia o trágico e eleva aos píncaros o epílogo, dentro do êxtase sinfônico resgatado do cálido. Na prática, é o passo lânguido do tempo, sempre inédito, que faz vítima o método, no compasso do som andrógino, histriônico, de cunho estético, no pulsar orfeônico do cantar intrínseco.
Pois vem do torácico, do âmago, o halo anímico da Dona volúvel. De tantas notas célebres e límpidas, que nem as fariam as máquinas. Lírica, a trama profética é ótima para as sátiras, com bônus linguísticos gramáticos, seja pros casos ilícitos ou ilógicos, no trânsito holístico das versões.
Inicia-se assim, pela melodia da famosa ária: A dona é excêntrica, dizem que é bígama, sempre etílica, quase se finda. A dona é esdrúxula, vive sabática, chora incólume sua tristeza. E por aí vai: A dona é esquálida, mora na cátedra, surta no rícino, pele de anjo. Moça do pântano, moça da ópera, moça do álibi, canto fleumático. Depois perdendo o controle: A dona é estática, figura gélida, lívida imagem, prosopopeia. Vem da sua gênese a crise asmática, levou do médico fálicas saudades. Do padre lúgubre, fala eucarística, postura flâmine, nada se espera. A seguir, recusando a compostura: Minha hermenêutica, veia semântica, é minha pródiga vicissitude. Ex-juiz déspota, órfão da ética, cômico servo, desmoronastes. De gola ávida, segue o seu féretro, pobre do vívido, Pégaso errante. E por fim, na panaceia mesmo: O tempo é cíclico, pega-nos ríspido, vento solário, cântaro a pleno. Piscina fétida, turva em seu líquido, letra simbólica homenageio. Mágico encéfalo, fruto de anáfase, parte-se em fíbulas, ossos do ofício. Abre essa abóbada, sinistro rábula, pensa analítico o mal do mundo. Efigie cínica, baiana quântica, baby telúrica, salto romântico.

Enfrentando ultimamente considerável batalha mental, daquelas que permanecem insistentes após ouvir um singelo trecho de música, não vi saída mínima, a não ser publicar. O caso é que eu fui abduzido pelos versos do Rigoletto, nem lembro bem onde tocou, e dali em diante me vi cantarolando por alguns longos dias o início dos seus versos, até porque só lembrava mesmo desses poucos.
La donna è mobile.
Assim, de tanto repetir, comecei a trocar as palavras, dando novos sentidos às surpreendentes frases que iam sendo criadas, rindo de mim mesmo e daquilo que eu cantava sozinho. Como as frases sem sentido foram ficando cada vez mais divertidas e mais desconexas, eu passei a explorar ainda mais o fator, digamos, proparoxítono delas, garimpando tudo que de mais estranho surgisse. Em certo momento, anotava as palavras que afloravam na minha indefesa e sofrida mente, e fazia isso até nos momentos mais soturnos e noturnos, fosse no papel, ou no celular mesmo, em suprema compulsividade.
Bem, só me cabe então agradecer aos valentes amigos que chegaram até aqui. Sem se cansar, sem me xingar, sem desistir... Talvez eu devesse acrescentar que o meu amor pela língua portuguesa, pela musicalidade contida nas palavras proparoxítonas e pelo ritmo de leitura que elas propiciam, foram os verdadeiros motivos da presente postagem. É isso ou pôr toda a culpa no Rigoletto!
E se alguém, aí do outro lado da tela, sentir suscitar algum amor similar, uma rima, uma frase melódica que seja, por favor, compartilhe comigo as suas proparoxítonas preferidas.
Primeiro: nunca te pedi nada!
Segundo: nunca, jamais te pediram isso!
Então, abraços.
Ou melhor, Alvíssaras!