O esforço é hercúleo, na memória, quando o
assunto é encadear palavras proparoxítonas. De empenho homérico, a tarefa nos
leva a famosa ária La Donna è Mobile, que propicia bom ritmo ao texto. Mas
as conjugações satíricas, sempre enfáticas, nos levam por caminhos côncavos, quiçá
oníricos, próprios das fábulas que algum arquétipo supõe.
Por mim, pessoalmente, se la donna è mobile,
o México é árido e a rúcula é ácida, assim como a bulha é azáfama. No caso do cântico,
o palco, o úmido seria o antídoto, de modo efêmero, diante do míope e estético piso
íngreme, mantido aí o sólido, pelo tático do ritmo que tem em toda sílaba.
O bárbaro é perceber, na tal música, o espaço
cênico, em amálgama ao veio dramático, através da têmpera firme da câmara, que
evidencia o trágico e eleva aos píncaros o epílogo, dentro do êxtase sinfônico
resgatado do cálido. Na prática, é o passo lânguido do tempo, sempre inédito,
que faz vítima o método, no compasso do som andrógino, histriônico, de cunho
estético, no pulsar orfeônico do cantar intrínseco.
Pois vem do torácico, do âmago, o halo anímico da
Dona volúvel. De tantas notas célebres e límpidas, que nem as fariam as máquinas.
Lírica, a trama profética é ótima para as sátiras, com bônus linguísticos gramáticos,
seja pros casos ilícitos ou ilógicos, no trânsito holístico das versões.
Inicia-se assim, pela melodia da famosa ária: A
dona é excêntrica, dizem que é bígama, sempre etílica, quase se finda. A dona é
esdrúxula, vive sabática, chora incólume sua tristeza. E por aí vai: A dona é
esquálida, mora na cátedra, surta no rícino, pele de anjo. Moça do pântano,
moça da ópera, moça do álibi, canto fleumático. Depois perdendo o controle: A
dona é estática, figura gélida, lívida imagem, prosopopeia. Vem da sua gênese a
crise asmática, levou do médico fálicas saudades. Do padre lúgubre, fala
eucarística, postura flâmine, nada se espera. A seguir, recusando a compostura:
Minha hermenêutica, veia semântica, é minha pródiga vicissitude. Ex-juiz
déspota, órfão da ética, cômico servo, desmoronastes. De gola ávida, segue o
seu féretro, pobre do vívido, Pégaso errante. E por fim, na panaceia mesmo: O
tempo é cíclico, pega-nos ríspido, vento solário, cântaro a pleno. Piscina
fétida, turva em seu líquido, letra simbólica homenageio. Mágico encéfalo,
fruto de anáfase, parte-se em fíbulas, ossos do ofício. Abre essa abóbada, sinistro
rábula, pensa analítico o mal do mundo. Efigie cínica, baiana quântica, baby
telúrica, salto romântico.
Enfrentando ultimamente considerável batalha
mental, daquelas que permanecem insistentes após ouvir um singelo trecho de música,
não vi saída mínima, a não ser publicar. O caso é que eu fui abduzido pelos
versos do Rigoletto, nem lembro bem onde tocou, e dali em diante me vi
cantarolando por alguns longos dias o início dos seus versos, até porque só
lembrava mesmo desses poucos.
La donna è mobile.
Assim, de tanto repetir, comecei a trocar as
palavras, dando novos sentidos às surpreendentes frases que iam sendo criadas,
rindo de mim mesmo e daquilo que eu cantava sozinho. Como as frases sem sentido
foram ficando cada vez mais divertidas e mais desconexas, eu passei a explorar ainda
mais o fator, digamos, proparoxítono delas, garimpando tudo que de mais
estranho surgisse. Em certo momento, anotava as palavras que afloravam na minha
indefesa e sofrida mente, e fazia isso até nos momentos mais soturnos e
noturnos, fosse no papel, ou no celular mesmo, em suprema compulsividade.
Bem, só me cabe então agradecer aos valentes
amigos que chegaram até aqui. Sem se cansar, sem me xingar, sem desistir... Talvez
eu devesse acrescentar que o meu amor pela língua portuguesa, pela musicalidade
contida nas palavras proparoxítonas e pelo ritmo de leitura que elas propiciam,
foram os verdadeiros motivos da presente postagem. É isso ou pôr toda a culpa
no Rigoletto!
E se alguém, aí do outro lado da tela, sentir
suscitar algum amor similar, uma rima, uma frase melódica que seja, por favor,
compartilhe comigo as suas proparoxítonas preferidas.
Primeiro: nunca te pedi nada!
Segundo: nunca, jamais te pediram isso!
Então, abraços.
Ou melhor, Alvíssaras!