De repente todo mundo parou pra ver onde aquela
cadeira ia estacionar. Primeiro, o filho estava lá em cima, na calçada,
procurando um caminho melhor pra descer. Assim que ele encontrou não teve
dúvida, empinou a mãe na rampinha improvisada e, em poucos minutos, ganhou a
areia da praia.
– Réveillon é assim mesmo – logo disse um senhor
que acompanhava a cena.
Certo é que todo mundo quer chegar perto do mar
e dos fogos. Mesmo aqueles que não têm muita facilidade de locomoção, estando limitados episódica ou permanentemente por uma cadeira de rodas, sempre cultivam alguma disposição de encarar o desafio e, ao final, cada um acaba dando o seu jeito.
No nosso caso aqui tratado, jeito mesmo, quem
estava dando, era o filho da cadeirante, que desde o início do mês tentava
convencer a mãe a encarar o desafio do último dia do ano. Dizia que era pra
vencer as dificuldades do ano velho e se preparar pra todas as que viessem no
ano novo. Era pra avançar mesmo, superar os limites. E que ele ia estar ali, ao
lado dela, pro que desse e viesse.
Claro que nem todo mundo no entorno aprovou a
chegada da tal cadeira de rodas com uma senhora, sendo empurrada por um jovem.
Narizes torcidos aqui e acolá, entretanto, não impediram que os simpatizantes
da empreitada fizessem todo o esforço pra aprovar publicamente a aventura. Por
isso algumas pessoas foram até perto da senhora pra tentar ajudar de alguma
maneira, auxiliar no travamento das rodas, e alguns até ofereceram amizade e
algumas bebidas e petiscos, itens comuns naquela praia de celebração muito
concorrida.
Mostrando certa contrariedade, o casal ao lado
fazia comentários acerca de situações perigosas que podiam se configurar em
risco, tanto para a cadeirante quanto para as pessoas em redor. Pretendendo
mostrar a sua desaprovação, falavam alto e, sem sucesso, procuravam com os
olhos outras pessoas que os apoiassem em suas argumentações.
A agenda do réveillon na praia é algo
a se considerar. É preciso chegar muito cedo, pra pegar um bom lugar, e a
maioria fica por muito tempo ocupando um espaço reduzido, tudo pra poder ver os
fogos e toda a festa. Na verdade, o que se sabe é que, tão logo anoitece, não
para de chegar gente, vinda de todos os lados. Gente com boa estrutura
pra ficar, sentar, comer e beber, e ainda dividir com os amigos ocasionais; e
gente que vai com a cara e a coragem, portando somente uma indefectível garrafa
de sidra na mão.
O tempo foi passando, a hora da virada chegando
e a ansiedade geral, naturalmente, aumentando. Faltava ainda uns 40 minutos
pros fogos quando, de repente, uma clareira se abriu no meio do povo. Era uma
senhora que carregava uma sacola branca, pelo jeito bem cheia, e que tinha
sentido algum problema, provavelmente de pressão. Estava branca, pálida e com
alguma dificuldade para respirar. Coisa normal, que acontece na maioria das
aglomerações.
Aos poucos, conforme as pessoas iam dando espaço
para uma melhor recuperação da mulher debilitada, foi-se percebendo que se
tratava do casal que, há pouco, recriminara a presença da mãe cadeirante com o
filho na areia da praia.
Todos foram percebendo a fisionomia abatida da pobre,
que causava grande aflição no marido, ao mesmo tempo em que se
entreolhavam, como se se perguntassem que atitude tomar. Provavelmente,
lembraram da má vontade dos dois em aceitar a presença da senhora com a
deficiência de locomoção e estavam ali titubeando, quase sem ação.
A mãe então puxou o filho pra perto e disse
alguma coisa no ouvido dele. O rapaz, automaticamente, foi até o homem e se ofereceu
pra pegar a bolsa pesada que ele havia tirado dos ombros da esposa, deixando-o
mais livre pra segurá-la, ampará-la, ante um desmaio que parecia se aproximar.
Quando se deu conta da ação rápida do rapaz, o
esposo disse:
– Obrigado. Mas essa bolsa está muito pesada, não
se preocupe, pode botar no chão mesmo.
– Tá tudo certo. Minha mãe disse pra apoiar na
cadeira de rodas dela e vai ficar tudo bem.
Parece que foi dada uma pausa no tempo. E tudo parou
naquela festa. Como se fosse um teatro, estava no sugestivo palco apenas um
casal em apuros e dois atores personificando algo que, para alguns, era a
própria gentileza. O que se viu em seguida foi uma plateia atenta ao desfecho
de uma singela trama. Típica de final de ciclo. Ou de ano, como desejarmos.
A bolsa pesada apoiada na cadeira de rodas, a
esposa se restabelecendo, o marido se acalmando, os olhares se harmonizando, as
garrafas sendo abertas e os abraços, já fartamente sendo distribuídos.
Aí, o tempo virou.
Quem era de cantar, cantou. Quem era de chorar,
chorou.
Zeca, esse nem falou.
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