Muitas
análises feitas hoje, dia seguinte da invasão dos prédios dos Três Poderes,
divergem quanto ao momento em que toda a violência foi deflagrada. Alguns acham
que foi no dia da eleição, outros apontam o dia da diplomação do presidente e
muitos creem que foi mesmo no dia da posse festiva.
As imagens
inquietantes, porém, que começaram a chegar pela tevê, ainda no início da tarde
do domingo, me levaram prontamente àquelas cenas da votação do golpe de 2016. E
a minha sensação imediata foi de estar assistindo ao prosseguimento de uma
excrescência.
Quando a
Suprema Corte de Justiça do Brasil permitiu que fosse aberto o processo de
impedimento contra a presidenta Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade,
ou seja, em desalinho com os preceitos contidos na Constituição Federal, ali,
naquele ato, foi dado um importante sinal. Um sinal fatal.
O processo de
sedimentação de uma democracia é permanente e deve-se zelar por ela todos os
dias. Qualquer descuido, qualquer sinal de fraqueza, qualquer brecha, e logo um
aventureiro se vê com poderes para oportunamente golpeá-la. Aquele sinal de
que, sim, pode-se tirar uma presidenta, eleita pelo povo, democraticamente,
através de um processo ilegal, seguido de procedimentos também ilegais, foi o
estopim de tudo o que assistimos durante todo o dia de ontem.
Não adianta os
supremos juízes agora se prostrarem aterrorizados, indignados com os atos
terroristas do último domingo, 8 de janeiro, quando no passado recente eles
próprios avalizaram e deram ares de legalidade a um julgamento político,
totalmente incorreto e que tramitou à revelia da lei maior do país.
Aquele sinal,
dado em 2016, com a conivência do STF, é o mesmo sinal dado no domingo pelo
governo do Distrito Federal, pelo grupamento do Exército sediado em Brasília e
por todos os demais órgãos de segurança daquele distrito. Ou seja, tanto o STF,
antes, como o governo do DF, agora, são cúmplices dos atos golpistas que vimos
nos dois episódios.
Enquanto, na
época, o Brasil denunciava ao mundo que “impedimento sem crime é golpe”, os
responsáveis pelo inquérito davam de ombros e estendiam o tapete vermelho para
os golpistas avançarem. A história registra o tamanho daquele absurdo quando
mostra a presença luxuosa e complacente do STF, com o seu presidente Ricardo
Lewandowski sentando à mesa do golpe e presidindo aquela infame sessão.
O processo do
golpe contra a democracia, diga-se contra a presidenta Dilma, não deve nada a
este triste domingo de invasão dos prédios dos Três Poderes. Não temos imagens
dos ministros do STF reunidos festivamente e bebendo água de coco na esquina,
como fizeram os policiais do GDF. Mas podemos imaginar o mesmo sentimento comum
e permissivo daqueles atores desprezíveis que não cumpriram o seu papel
constitucional.
Naturalmente,
nos dias atuais, há que se registrar a firme atuação do STF em barrar a sanha
radical e irracional do presidente anterior, impedindo que coisa pior
acontecesse nesses últimos quatro anos de ataques velados à democracia. Mas
foram justamente os sinais, dados lá atrás, que deram asas aos terroristas que
hoje habitam o quadro político brasileiro eivado de radicalismo.
Se a Corte
sinaliza que é possível tirar uma presidente, passando por cima das leis,
através de um processo ilegal, de crime inexistente, simplesmente para atender
a eventual ânsia político partidária, o sinal dado é de que pode tudo nesse
país. Aqui não se precisa de lei.
A partir do
estrago feito nas dependências dos Três Poderes, cabe à Justiça agora a
restauração da sua conduta como guardiã da democracia. O fortalecimento do
estado democrático de direito passa por ações determinadas que evitem que esses
tipos de sinais se repitam. E o mesmo extremismo que ontem depôs a presidenta
não é diferente do extremismo que hoje não aceita o resultado das eleições e
prega o terrorismo e o golpe. Ele tem até uma aparência diferente, mas no fundo
é um extremismo idêntico.
É preciso,
pois, repor os vidros, consertar a mobília e restaurar o patrimônio histórico
danificado na medida do possível. Mas é preciso urgentemente um pacto para que
sejam reparados os erros do passado, erros igualmente graves contra a mesma
democracia e, principalmente, contra uma presidenta eleita democraticamente.
Apregoar a
autocrítica como correção de rota não é boa solução apenas para um partido.
Pode cair muito bem para juízes, supremos ou não, para parlamentares,
ordinariamente, e – porque não? – para a imprensa brasileira, toda a imprensa,
definitivamente. A essa última caberia, idealmente, um pedido público de perdão
à mencionada presidenta Dilma e, de quebra, ao recém eleito presidente Lula, só
para efeito de registro.
Ainda estamos muito longe desse nível cultural. Culpa nossa, que esquecemos rapidamente e re-elegemos os mesmos que votaram a favor do impeachment de Dilma. Que, diga-se de passagem, o povo nem lembra mais quem foi. E que ainda acredita que comunistas (que confundem com esquerdistas) omem criancinhas...
ResponderExcluir"comem criancinhas"
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