segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Os Sinais


Muitas análises feitas hoje, dia seguinte da invasão dos prédios dos Três Poderes, divergem quanto ao momento em que toda a violência foi deflagrada. Alguns acham que foi no dia da eleição, outros apontam o dia da diplomação do presidente e muitos creem que foi mesmo no dia da posse festiva.

As imagens inquietantes, porém, que começaram a chegar pela tevê, ainda no início da tarde do domingo, me levaram prontamente àquelas cenas da votação do golpe de 2016. E a minha sensação imediata foi de estar assistindo ao prosseguimento de uma excrescência.

Quando a Suprema Corte de Justiça do Brasil permitiu que fosse aberto o processo de impedimento contra a presidenta Dilma Rousseff, sem crime de responsabilidade, ou seja, em desalinho com os preceitos contidos na Constituição Federal, ali, naquele ato, foi dado um importante sinal. Um sinal fatal.

O processo de sedimentação de uma democracia é permanente e deve-se zelar por ela todos os dias. Qualquer descuido, qualquer sinal de fraqueza, qualquer brecha, e logo um aventureiro se vê com poderes para oportunamente golpeá-la. Aquele sinal de que, sim, pode-se tirar uma presidenta, eleita pelo povo, democraticamente, através de um processo ilegal, seguido de procedimentos também ilegais, foi o estopim de tudo o que assistimos durante todo o dia de ontem.

Não adianta os supremos juízes agora se prostrarem aterrorizados, indignados com os atos terroristas do último domingo, 8 de janeiro, quando no passado recente eles próprios avalizaram e deram ares de legalidade a um julgamento político, totalmente incorreto e que tramitou à revelia da lei maior do país.

Aquele sinal, dado em 2016, com a conivência do STF, é o mesmo sinal dado no domingo pelo governo do Distrito Federal, pelo grupamento do Exército sediado em Brasília e por todos os demais órgãos de segurança daquele distrito. Ou seja, tanto o STF, antes, como o governo do DF, agora, são cúmplices dos atos golpistas que vimos nos dois episódios.

Enquanto, na época, o Brasil denunciava ao mundo que “impedimento sem crime é golpe”, os responsáveis pelo inquérito davam de ombros e estendiam o tapete vermelho para os golpistas avançarem. A história registra o tamanho daquele absurdo quando mostra a presença luxuosa e complacente do STF, com o seu presidente Ricardo Lewandowski sentando à mesa do golpe e presidindo aquela infame sessão.

O processo do golpe contra a democracia, diga-se contra a presidenta Dilma, não deve nada a este triste domingo de invasão dos prédios dos Três Poderes. Não temos imagens dos ministros do STF reunidos festivamente e bebendo água de coco na esquina, como fizeram os policiais do GDF. Mas podemos imaginar o mesmo sentimento comum e permissivo daqueles atores desprezíveis que não cumpriram o seu papel constitucional.

Naturalmente, nos dias atuais, há que se registrar a firme atuação do STF em barrar a sanha radical e irracional do presidente anterior, impedindo que coisa pior acontecesse nesses últimos quatro anos de ataques velados à democracia. Mas foram justamente os sinais, dados lá atrás, que deram asas aos terroristas que hoje habitam o quadro político brasileiro eivado de radicalismo.

Se a Corte sinaliza que é possível tirar uma presidente, passando por cima das leis, através de um processo ilegal, de crime inexistente, simplesmente para atender a eventual ânsia político partidária, o sinal dado é de que pode tudo nesse país. Aqui não se precisa de lei.

A partir do estrago feito nas dependências dos Três Poderes, cabe à Justiça agora a restauração da sua conduta como guardiã da democracia. O fortalecimento do estado democrático de direito passa por ações determinadas que evitem que esses tipos de sinais se repitam. E o mesmo extremismo que ontem depôs a presidenta não é diferente do extremismo que hoje não aceita o resultado das eleições e prega o terrorismo e o golpe. Ele tem até uma aparência diferente, mas no fundo é um extremismo idêntico.

É preciso, pois, repor os vidros, consertar a mobília e restaurar o patrimônio histórico danificado na medida do possível. Mas é preciso urgentemente um pacto para que sejam reparados os erros do passado, erros igualmente graves contra a mesma democracia e, principalmente, contra uma presidenta eleita democraticamente.

Apregoar a autocrítica como correção de rota não é boa solução apenas para um partido. Pode cair muito bem para juízes, supremos ou não, para parlamentares, ordinariamente, e – porque não? – para a imprensa brasileira, toda a imprensa, definitivamente. A essa última caberia, idealmente, um pedido público de perdão à mencionada presidenta Dilma e, de quebra, ao recém eleito presidente Lula, só para efeito de registro.

 Seria um grande sinal.



2 comentários:

  1. Ainda estamos muito longe desse nível cultural. Culpa nossa, que esquecemos rapidamente e re-elegemos os mesmos que votaram a favor do impeachment de Dilma. Que, diga-se de passagem, o povo nem lembra mais quem foi. E que ainda acredita que comunistas (que confundem com esquerdistas) omem criancinhas...

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