sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A Consulta Médica


Procurando nos bolsos onde teria enfiado o papelzinho com o número da sala do médico, Sales resolveu que seria melhor perguntar logo ao ascensorista, um português mocinho, com ares de simpatia. Já já chega no andar e ele teria de sair do elevador sem aquela informação final, a procurar de porta em porta.

– Sala 507, senhoire – respondeu prontamente o rapaz com seu sotaque luso.

Agradecido, o homem logo achou o seu destino e se pôs à espera de ser chamado. Na sala só havia ele e uma senhora, que logo saiu acompanhada do marido, provavelmente o paciente anterior.

A moça então perguntou se ele tinha ficha.

– Tenho duas, uma de 30 e outra de 25 anos. Ah, e um neto também, apesar de eu ter essa aparência jovelina.

– Senhor, eu perguntei se o senhor tem ficha aqui no consultório.

– Ah, sim. Quer dizer, não. Não tenho ficha aqui.

Rapidamente Sales sacou os documentos da carteira, abrindo a bolsinha que trazia atada à cintura e entregou à atendente. Em poucos minutos o doutor veio chamá-lo e ambos entraram na sala de consulta.

– Pois então o senhor quer fazer terapia?

– Doutor, na verdade eu não entendo muito desse assunto. Mas eu tenho vários amigos que fazem, sabe? Então, como o sepulcro morreu de velho, eu acho que não custa fazer uma tentação e ver se a coisa improcede de algumas formas.

– Me fale um pouco como é o seu dia a dia, a sua rotina, o seu trabalho, sua família.

– É aquela coisa, né doutor, pobrema todo mundo tem, o sarcástico da vida é femigerar sempre que seja possível. Na batuta do dia a dia, uns vão bens e outros vão indo catando as cavacas da vida. Eu sou casado há muito tempo, com a mesma congenente, diga-se de passado, e toda a minha vida trabalhei como assessor geral do vereador Nelson Pipoka, conhecido eleutéricamente como Seu Pipo. Ele inmendava os mandados nos anos e eu ia com ele de atiracolo.

– Sei – balbuciou o médico.

– Mas doutor, eu vou lhe contar uma coisa que o senhor não vai fazer um enorme disforço pra disacreditar se eu estou faltando com a mentira ou não. Bem, pode ser vice-versa também, dependendo do traduzir dos fatos de cada um. Veja bem, eu tenho o maior amor por mim mesmo. Sou o tipo de pessoa que lhe ama sempre, a todo momento. E eu sinto, veja bem, eu sinto que as pessoas também me amam-me a mim e é uma coisa muito de mim, do meu espírito. É assim, como se diz, uma coisa em nata. Acho que é assim que fala. E por que que eu sei disso? Aí é que está o ocaso hemomérico das coisas. Posso até contar os detalhes: por exemplo, eu gosto de caminhar na beira-mar, ali na orla, onde tem o mar. O senhor não tem ideia de quantas mulheres olham pra mim. O tempo todo. Eu vou andando e elas vão passando, e ficam me olhando, olhando mesmo, sem piscar. Algumas dão aquele sorrisinho degênero, deslavando a própria diafrasia e eu até finjo que não vejo. Mas eu vejo.

– O senhor vê!

– Assim, e isso é algo repentitivo, ou sejam, se repetem supletivamente, se é que o senhor me entende.

– Se eu entendo? Uhh!

– Na praia, quando eu entro na água, elas entram atrás de mim. Largam até os maridos pra ficar perto, mergulhando próxima da minha pessoa. Aí, quer ver quando eu vou jogar tênis na quadra de areia, acho que é briti tênis, ou algo assim, não sei muito bem. Cara, quer dizer, doutor, as meninas que ficam ali assistindo os jogos chegam a aplaudir as minhas jogadas. Tem gente que joga muito bem lá, mas eu sinto que sou o centro do galáctico ali, entende? É uma coisa paradigmática, estrorrombólica mesmo, em nível externo. Só estando lá pra ver. E eu não posso me furdar de narrar que no supermercado é algo ainda mais de implacar. Pois não só as clientes, mas também as moças da padaria, dos laraticínios, as moças do caixa, olha, batata, elas dão um jeito de estarem perto de mim aonde eu vou, pelas corredeiras e pelas glândolas, sabe? É uma coisa muito abismótica pra mim, mesmo eu estando assim, já acostumado com toda essa paparação. No fundo eu me sinto assim, tipo seguido por aqueles caras que tiram fotos dos famosos, os paparatos. Então, é assim o meu cotindiano diário.

Depois de um tempo anotando, o médico fechou o caderninho e tirou os óculos bem devagar. A seguir, passou as costas da mão pela extensão da própria testa e ficou olhando pro paciente, como que esperando o desfecho daquilo tudo.

– Então doutor, queria saber agora o que o senhor acha. Qual afinal o seu pernóstico. Se eu preciso fazer as tais sessões de análise ou se eu já sou, protóticamente, uma pessoa curada, inerente de terapias e surriolada dessas coisas daí.

– Olha, realmente, na minha humilde opinião, o senhor não precisa fazer análise alguma. Como o senhor mesmo disse, o caso aqui é de uma pessoa de bem com a vida, adorada por todos, com boa autoestima, pra dizer o mínimo e, enfim... se eu fosse lhe receitar alguma coisa, não propriamente um remédio, mas um sortilégio, de uso pra toda a vida, eu lhe diria pra comprar um calepino. Isso, ca-le-pi-no. E é pro senhor fazer uso dele indiscriminadamente, o máximo que o senhor puder, como uma companhia diária, pois ele só vai lhe trazer benefícios e, ao mesmo tempo, por não ter qualquer contraindicação, não causará qualquer efeito colateral. Anota aí, Calepino. Uma boa tarde pro senhor, viu? E não precisa pagar por esse atendimento. Não mesmo! Eu decidi que vou contar tudinho pra um amigo meu que tem um blog só de crônicas e ele vai adorar os detalhes dessa, digamos, consulta. Um abraço e vá com Deus.

E o médico ficou ali paralisado, com a maçaneta na mão, depois de abrir a porta e tentar analisar, incrédulo, o Sales indo embora.

 






4 comentários:

  1. Antonio Paulo D'Aquino Noronha27 de janeiro de 2023 às 16:55

    Receita azul?

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  2. De onde vc tirou essas ideias? Diarreia de palavreado e de imaginação.Como é bom se livrar de governo fascista.

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  3. Mais uma vez fica provado que é "a inguinorança que astravanca o pogresso"...

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  4. Kkk
    Imagem do pseudo mito ignorante

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