No carro
branco, a mãe e a filha. No preto, o pai com o filho. Eles tiveram o mesmo
objetivo, há pouco, de ir buscar os respectivos filhos no colégio. No horário
corrido do almoço, é o tempo suficiente apenas pra deixá-los em casa, almoçar
bem rapidinho e, de novo, voltar para o trabalho.
O pai é agrônomo,
servidor público. Já a mãe é médica, cujo consultório fica do outro lado da
cidade. Neste exato momento, já com os filhos a bordo, ambos estão tentando
entrar na grande avenida, em meio a cruzamentos perigosos e muitos congestionamentos
típicos daquele horário.
Foi justamente
no momento em que o carro preto entrou na rua, apressado, se esgueirando entre
os outros veículos, que se ouviu o tocar insistente de uma buzina, um som que sobressaía
em meio a tantos outros sons, igualmente incômodos.
Protestando,
mas sem abrir mão do barulho estridente, a motorista esbravejava, enquanto
enfiava o próprio carro na fila, à procura de um espaço. Tivessem braços, era o
caso de se dizer que os carros se acotovelavam naquela peculiar inserção de
pistas.
Ao mesmo tempo
em que a mulher finalmente conseguiu a sua brecha, o sinal fechou. E ela notou
que estava parada justamente ao lado do folgado do carro preto, ponto focal da
sua ira, e também da sua buzina. Assim que emparelharam janela com janela, os
dois motoristas abriram os seus vidros, decididos a ver onde aquilo tudo ia
dar. A mulher então disse qualquer coisa ríspida que ninguém entendeu,
gesticulando e apontando para o engarrafamento, tentando justificar a sua
braveza. O homem, por sua vez, com certo acanhamento, surpreendeu a todos:
– Mil
desculpas. A senhora me desculpe, mas eu achei que a senhora tinha cedido a
passagem e aí, entrei. De alguma maneira eu achei que a senhora tinha sido...
– Gentil –
interrompeu a filha.
– Quê?
– Gentil, mãe.
Ele achou que a senhora tinha sido gentil.
– Ai, meu Deus
– balbuciou a mãe.
Como os
adultos já não sabiam bem o que dizer um ao outro, os adolescentes se
cumprimentaram.
– Olá, Carol,
como vai?
– Oi, Pedro. Eu
vou indo e você, tudo bem?
– Tudo bem eu
vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro e você?
– Tudo bem, eu
vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?
– Quanto
tempo.
– Pois é,
quanto tempo.
Dentro dos
carros, pai e mãe fizeram a mesma pergunta aos filhos:
– Vocês se
conhecem?
– Ela é da
turma 23.
– Ele é da
sala 21. A gente foi da mesma sala no ano passado.
A moça se
virou para o rapaz e pousou a cabeça no encosto do banco:
– Tanta coisa
que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
– Eu também
tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
O pai, mais
uma vez sem saber o que fazer, apenas fez um sinal para a motorista ao lado, tentando
ainda se justificar de algum modo:
– Me perdoe a
pressa, é a alma dos nossos negócios.
– Qual, não
tem de quê. Eu também só ando a cem.
E o filho, retomando
o diálogo, diz à moça:
– Quando é que
você telefona? Precisamos nos ver por aí!
– Pra semana,
prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?
– Quanto
tempo!
– Pois é,
quanto tempo!
No trânsito, a
sensação de urgência se ampliava com o aumento do som dos motores e alguns carros
já tinham a primeira marcha engatada.
– Pra
semana...
– O sinal...
– Eu procuro
você.
– Vai abrir,
vai abrir...
– Eu prometo,
não esqueço, não esqueço...
– Por favor
não esqueça, não esqueça!
Em silêncio, os
pais se entreolhavam com inexplicável melancolia, diante daquelas
palavras.
A senhora
disse adeus!
O pai
respondeu, adeus!
A filha, adeus!
O rapaz, eu te
amo!
E o sinal, finalmente,
abriu.
Essa crônica é uma homenagem a
Paulinho da Viola.