sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Sinal Fechado


No carro branco, a mãe e a filha. No preto, o pai com o filho. Eles tiveram o mesmo objetivo, há pouco, de ir buscar os respectivos filhos no colégio. No horário corrido do almoço, é o tempo suficiente apenas pra deixá-los em casa, almoçar bem rapidinho e, de novo, voltar para o trabalho.

O pai é agrônomo, servidor público. Já a mãe é médica, cujo consultório fica do outro lado da cidade. Neste exato momento, já com os filhos a bordo, ambos estão tentando entrar na grande avenida, em meio a cruzamentos perigosos e muitos congestionamentos típicos daquele horário.

Foi justamente no momento em que o carro preto entrou na rua, apressado, se esgueirando entre os outros veículos, que se ouviu o tocar insistente de uma buzina, um som que sobressaía em meio a tantos outros sons, igualmente incômodos.

Protestando, mas sem abrir mão do barulho estridente, a motorista esbravejava, enquanto enfiava o próprio carro na fila, à procura de um espaço. Tivessem braços, era o caso de se dizer que os carros se acotovelavam naquela peculiar inserção de pistas.

Ao mesmo tempo em que a mulher finalmente conseguiu a sua brecha, o sinal fechou. E ela notou que estava parada justamente ao lado do folgado do carro preto, ponto focal da sua ira, e também da sua buzina. Assim que emparelharam janela com janela, os dois motoristas abriram os seus vidros, decididos a ver onde aquilo tudo ia dar. A mulher então disse qualquer coisa ríspida que ninguém entendeu, gesticulando e apontando para o engarrafamento, tentando justificar a sua braveza. O homem, por sua vez, com certo acanhamento, surpreendeu a todos:

– Mil desculpas. A senhora me desculpe, mas eu achei que a senhora tinha cedido a passagem e aí, entrei. De alguma maneira eu achei que a senhora tinha sido...

– Gentil – interrompeu a filha.

– Quê?

– Gentil, mãe. Ele achou que a senhora tinha sido gentil.

– Ai, meu Deus – balbuciou a mãe.

Como os adultos já não sabiam bem o que dizer um ao outro, os adolescentes se cumprimentaram.

– Olá, Carol, como vai?

– Oi, Pedro. Eu vou indo e você, tudo bem?

– Tudo bem eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro e você?

– Tudo bem, eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?

– Quanto tempo.

– Pois é, quanto tempo.

Dentro dos carros, pai e mãe fizeram a mesma pergunta aos filhos:

– Vocês se conhecem?

– Ela é da turma 23.

– Ele é da sala 21. A gente foi da mesma sala no ano passado.

A moça se virou para o rapaz e pousou a cabeça no encosto do banco:

– Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...

– Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!

O pai, mais uma vez sem saber o que fazer, apenas fez um sinal para a motorista ao lado, tentando ainda se justificar de algum modo:

– Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.

– Qual, não tem de quê. Eu também só ando a cem.

E o filho, retomando o diálogo, diz à moça:

– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!

– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos... Quem sabe?

– Quanto tempo!

– Pois é, quanto tempo!

No trânsito, a sensação de urgência se ampliava com o aumento do som dos motores e alguns carros já tinham a primeira marcha engatada.

– Pra semana...

– O sinal...

– Eu procuro você.

– Vai abrir, vai abrir...

– Eu prometo, não esqueço, não esqueço...

– Por favor não esqueça, não esqueça!

Em silêncio, os pais se entreolhavam com inexplicável melancolia, diante daquelas palavras.

A senhora disse adeus!

O pai respondeu, adeus!

A filha, adeus!

O rapaz, eu te amo!

E o sinal, finalmente, abriu.

 

 

 

Essa crônica é uma homenagem a Paulinho da Viola.



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