A
primeira coisa que me chamou a atenção quando eu entrei no Salão do Renato foi
o menino que estava cortando o cabelo, na cadeira da direita. Não era mais um
menino, é verdade, pois que devia ter uns 14 anos, mas o seu jeito tímido ainda
o deixava com uma aparência infantil. Eu sentei no banco de espera bem na direção
da cadeira do barbeiro em que ele estava e dali ainda ficou mais evidente o que
me chamou a atenção logo na minha entrada no salão, ou seja, a sua enorme
cabeleira.
Era
um cabelo tão alto e espesso, bem volumoso e cheio de cachos que eu desviava o
olhar quando notava que ele me via mirando fixo para aquela forma negra que
contrastava com a cor da sua pele, bem branca, ajudada por sua roupa também
toda negra. Não sei o que estes meninos gostam tanto de se vestir de preto.
Será que não enjoam de sempre andarem assim?
O
Renato estava se preparando pra começar o corte do garoto e eu, ali numa posição
privilegiada, podia ver a sua dúvida e sua hesitação. O grande espelho da
parede inclusive fazia com que nós três cruzássemos os
olhares várias vezes. Vinha um certo constrangimento mas, no segundo seguinte ele
dava lugar às minhas dúvidas de como o barbeiro faria aquele trabalho, uma
verdadeira aventura por uma juba, irremediavelmente sem perspectiva de ser
vencida.
Minha
vontade era perguntar ao menino como ele tinha deixado aquele cabelo ficar
daquele jeito. Pensei também em perguntar várias coisas sobre o pai e a mãe dele,
como ele dormia, tomava banho e cuidava daquela juba imensa. Claro, pentear era
uma tarefa com que ele não se preocupava e isso dava pra ver de cara. E depois, ainda
queria perguntar ao Renato como ele ia conseguir encarar aquilo, deixar tudo da
maneira certa e fazer com que o corte ficasse ao gosto do freguês que,
naturalmente tem sempre razão, mesmo quando se trata de toda aquela lã animal
em cima da cabeça.
Eu
sei é que o Renato começou a aparar, deslizar a sua tesoura pelas pontas, molhar
em algumas partes e esticar em outras. Ia virando o menino na cadeira, mirando o
ângulo pelo espelho e eu comecei a perceber que o menino me olhava, talvez
querendo saber a minha impressão ante o embate envolvendo aquela tesoura, que
estalava sempre que era fechada. Notei também que de dentro daquela cabeleira
ia surgindo um rosto, agora com formas definidas e que antes estavam limitadas
por uma moldura negra e sem forma.
Mais
alguns instantes e, pronto, lá estava o Renato com uma vassourinha na mão,
tirando o resto de cabelo dos ombros do cliente e sacudindo alguns panos à sua
volta. O menino então se levantou, passou a mão pelo cabelo, se virou no
espelho para um lado e depois pro outro e pareceu gostar do resultado. Junto
com o Renato foi até o balcão e depois que pagou pelo serviço foi vestir o
casaco, que estava pendurado no fundo do salão.
Ao
sinal do Renato, indicando que era a minha vez, eu fui logo me sentar na cadeira
em frente ao espelho. O menino então ainda arrumando o casaco e passando por trás do barbeiro parou e me disse:
- Eu
estava aqui só pensando em como o Renato vai cortar o seu cabelo. Deve ser
difícil pra ele cortar um cabelo assim, baixinho, com umas partes carecas.
Enquanto eu estava ali cortando o meu só pensava em ficar aqui pra ver como ele
vai cortar o seu. Seu cabelo é muito estranho!
E
eu achando que o dele que era estranho.
No
fim eu, ali sentado, estava o tempo todo pensando o mesmo que ele, só que em
sentido oposto.
Porque
para nós é sempre assim, o cabelo do outro que é obviamente estranho, mal
arrumado e difícil de cortar.
O
nosso não, oras!