Aprovado na fila da adoção, o futuro pai se
prepara para finalmente visitar o abrigo. Nervoso, ele pergunta a uma amiga e
conselheira de anos como é essa sensação, como ele vai de um modo ou de outro
escolher o filho que quer adotar? Na sua calma de conselheira e amiga ela diz
pelo telefone que ele apenas fique calmo, pois quando ele cruzar o olhar com o
filho ele vai saber que aquele é o seu filho. Comigo também foi assim, não tem
erro – dizia ela. Ele então suspirou, apertou os lábios e ficou olhando as árvores
pela janela como se olhasse o nada.
No dia marcado lá estava ele. Uma funcionária
veio recebê-lo na porta e o instruiu que num primeiro momento o objetivo
daquelas visitas era apenas brincar com os acolhidos, ficar no meio deles, passar
um tempo, conhecer e, principalmente, estar aberto a todas as possibilidades de
empatia, pois os passos a seguir viriam justamente disso.
Ele então entrou no pátio do abrigo, que ainda
estava vazio, e ficou ali olhando os brinquedos, a caixa de areia, a gangorra,
o balanço e notou que no banco ao lado estava um menino de uns 12 anos, bem
maior do que a faixa etária do lugar. Bem vestido, de calça jeans e um casaco
bonito, ele ficou olhando o menino e imaginou que devia ser alguém acompanhando
os pais em visita a casa.
- É adoção? – perguntou o menino.
E o homem respondeu que sim, meio automático,
meio confuso.
O menino então disse que logo os menores iriam
sair para brincar. Não vai demorar nada – avisou – e foi mesmo rápido, pois no
minuto seguinte já tinha um monte de crianças, monitores e brinquedos
espalhados pelo pátio.
O homem passou a manhã toda ali, circulando e
brincando com as crianças. De repente ele avistou o mesmo menino, afastado, com
umas canetas coloridas na mão desenhando num papel. Se aproximou, resolveu
puxar papo de novo e foi aí que ele percebeu que o menino também era interno.
Relembrou a pergunta dele, “se era adoção”, e rapidamente entendeu tudo, o ar
melancólico daquela pergunta, uma certa tristeza no ar e pensou no tempo que
ele devia estar ali, vendo as crianças sendo adotadas e ele ir ficando.
- Você sabe fazer aviãozinho de papel? –
animou-se o homem, sentando ao lado dele.
- Não sei não – disse o menino encabulado.
Ele pegou uma folha de papel, dobrou daqui e de
lá, até que fez o aviãozinho e disse ao menino que era fácil, muito fácil. O
menino então perguntou:
- Você sabe fazer um pássaro?
- Um pássaro? De papel? Claro que não. Isso é
muito difícil.
O menino então pegou uma folha nova e foi
ensinando ao homem cada dobra, cada volta, cada vinco. Em dois minutos surgia
um belo pássaro de papel em cima da mesa. O homem ficou demais de surpreso e
foi logo perguntando como ele aprendeu aquilo, como ele tinha aquela habilidade
com o papel, e quis saber tudo.
- Isso se chama origami – ensinou o menino. Eu
aprendi isso na internet, só olhando os vídeos mesmo. Aqui tem uma sala que tem
computador, sabe? O origami é uma coisa
que os japoneses ensinam nas escolas de lá e eu achei bem legal. Como aqui eu
tenho como conseguir papel, fui aprendendo, aprendendo e pronto.
Imediatamente o homem chorou. Tentou esconder o
mais que pode, mas não conseguiu. As lágrimas iam saindo e ele seguia
conversando com o menino, enquanto lembrava das palavras da amiga no telefone
que lhe dizia “você vai saber quando encontrar”.
No final daquele ano a adoção foi legalizada.
Feliz como nunca esteve antes, o pai hoje é um colaborador da causa da adoção
no Brasil. Quando é convidado pra dar palestras em reuniões de adoção ele não
esquece jamais de mencionar a frase da amiga, mas cuida também de somar ao seu
testemunho uma singela reflexão.
Diz ele que toda a sua surpresa com a habilidade
do filho para o origami, o levou a pensar nas possibilidades que ele teria se
tivesse acesso a várias outras áreas do conhecimento. Ele só tinha o papel e
foi com o papel que ele aprendeu o origami. Em tempos de preconceito e egoísmo, de exclusão, desigualdades e negação de direitos sociais, o que nossas crianças não fariam,
e qual não seria o potencial delas se tivessem um mínimo de acesso ao esporte,
à música, ao teatro, à literatura e a tantas outras coisas.
O Japão é do outro lado do mundo.
Mas ainda é o mesmo mundo.
O Japão pode ensinar origami pela internet.
Não é tão difícil aprender com o Japão.