No início da década de 90 o filme ET já era um
clássico do cinema mundial. Todos os anos, durante o mês de dezembro, sempre
tinha um cinema no Rio de Janeiro que passava o filme novamente, o que era um
atrativo para as crianças em férias escolares e também para os pais, que davam
um jeito de incluir o programa no final de semana da garotada.
Quando eu vi o anúncio no jornal não tive
dúvidas, tratei logo de combinar com o meu filho Daniel que a gente ia no
cinema ver um filme muito legal, que eu já tinha visto há muito tempo, e que
ele também ia gostar, pois tinha nave espacial, perseguição de bicicletas e
muita aventura. Mostrei uma foto do ET pra ele e falei que o personagem tinha
poderes especiais, mas que ele ia ver tudo com seus próprios olhos.
Logo na entrada pude perceber que, assim como
eu, muitos pais estavam levando seus filhos pela primeira vez ao cinema e tinham
escolhido especialmente aquele filme pra que ficasse marcada para sempre aquela
primeira experiência.
O problema é que naquele tempo ainda não havia
dublagem para os filmes do cinema, assim como tinha pra televisão. No cinema,
quando o filme era pra criança, os pais liam as legendas em voz alta, ou
melhor, em voz baixa, pra que só o seu filho ouvisse. Claro que todo esse esforço
era pra garantir total atenção das crianças para que pudessem compreender o que
os pais liam e para que, elas próprias, entendessem a trama. Todos na sala
estavam super empenhados para que os filhos tivessem a mesma emoção que eles,
quando assistiram ao filme pela primeira vez.
Assim, pais sentados, filhos no colo, começa a
sessão. Mal começou o filme e o que se ouvia na sala era um coro de leitores de
legendas. Todos os pais liam para os filhos ao mesmo tempo e alguns até
ajustavam o tempo das palavras pra que o coral ficasse sincronizado. Gosto de
lembrar daquilo até hoje. A grande sala escura e aquelas vozes todas. Era quase
uma leitura dramática das legendas. Aliás, pela entonação que se ouvia, com
certeza tinha gente com talento de ator ou dublador ali, o que tornava tudo
muito mais legal para as crianças.
Com o desenrolar da trama, mais do que apenas
ler, os pais passaram a se emocionar com o que liam e com a reação dos próprios
filhos diante do filme. Às vezes, quando uma criança perguntava algo ao pai ou
a mãe, que não tinha entendido, a explicação servia também pros outros meninos,
já que todos podiam ouvir.
Lembro bem da cena das bicicletas voadoras,
quando a plateia explodiu aos gritos vendo o cerco policial formado e no último
minuto aquelas bikes alçando voo, para delírio daquele maracanã de crianças em
pleno gol do seu time. Os pais se abraçavam aos filhos, davam socos no ar
juntos, as pipocas caíam pra todo lado e as legendas eram gritadas por todos, a
plenos pulmões. Da mesma forma, quando se deu a ressuscitação do
extraterrestre, foi outro momento de euforia e alegria. Momentos antes, porém, dava
pra ouvir a criançada perguntando aos pais se o ET havia morrido e os pais, sem
querer estragar a surpresa, respondiam apenas com um “acho que sim”, também em
coro, mas sem muita convicção.
O que mais me marcou nessa sessão, entretanto,
foi, claro, o final do filme. Não era possível saber quem estava chorando mais
na despedida do menino ao seu amigo de outro planeta: se os pais, vendo a
emoção dos filhos, ou os filhos, irremediavelmente desolados com a partida do
ET. Uma coisa é certa, os pais, assim como eu, estavam firmes até quase o final,
pois sabiam o que ia acontecer. Mas na cena das despedidas um menino ali, bem
no meio da sala, tentou consolar o pai em voz alta:
- Ô pai, ele vai voltar um dia! Não fica triste
não!
Foi o bastante para que todos os pais desabassem
em desconsolo, tentando evitar mais sofrimento ainda para aquela plateia amada
que, a partir dali, só merecia um colo bem carinhoso, um grande abraço e um
sorvete na saída do cinema.
Do lado de fora, os pais de olhos vermelhos eram
todos tios na fila do sorvete. E em cada entreolhar desses tios dava pra
identificar certinho quem ali tinha acabado de assistir ao filme ET. É como diz
o poeta: através dos olhos se vê a alma.