Quando minha mãe foi morar na Rua Temporal, mal
sabíamos que estávamos todos indo fazer parte de um evento épico. Passados uns
poucos meses na nova residência descobrimos que ali na rua, inclusive na frente
de casa, todos os anos havia uma festa junina das mais concorridas e animadas
do bairro de Ramos.
Nesta época eu morava em São Paulo e lembro bem da
minha mãe, ao telefone, me contando que tinham começado a espalhar cartazes da
festa pelo bairro todo. Ela dizia que na vizinhança não se falava em outra
coisa e que muitos combinavam o que iriam vender pra poder diversificar e
diminuir a concorrência. Foi então que todos nós decidimos que a gente também
ia participar da festa. Íamos abrir o portão da garagem, colocar umas mesas e
cadeiras, um balcão e íamos fazer cachorro quente e caldo verde.
Minha mãe ia ficar com a coordenação da cozinha
e meu irmão, minha irmã, eu e meu pai íamos nos revezar no caixa e no
atendimento. As noras também estavam nessa e no meio da confusão que se
instalou acabaram dando uma mãozinha tanto na cozinha como no balcão. Os netos,
tanto o Niel como o Deco, a gente só percebeu que estavam ajudando a servir as
mesas depois de muito tempo de festa e nem tivemos como nos atrever a impedir.
Na realidade a gente não tinha noção de como
seria aquela quermesse, o movimento, nem como a gente ia se sair com o nosso
restaurante improvisado, por isso ficamos assustados quando já no primeiro dia
da festa acabou toda a comida antes das 10 da noite. E olha que a festa
começava às seis. O caldo verde mesmo, nem deu pra saída, pois desapareceu
muito rápido, ao ponto de a gente ter de ficar repetindo o tempo todo que “assim
como o sonho, o caldo acabou”.
No dia seguinte, claro, fomos todos comprar mais
couve, linguiça calabresa, batata, paio e lombo, tudo pra fazer um caldo verde
ainda mais caprichado, que seria vendido junto com torradas e pão fresquinho
com manteiga. No começo da tarde já havia duas panelonas no fogão e o cheirinho
gostoso se espalhava por toda a casa. Ninguém falou nada, mas todos sabiam que
naquele dia ia sobrar caldo verde pra gente se deliciar depois que a festa
acabasse.
O movimento começou e com ele o entra e sai de
gente, da gente, dos pratos, os trocos, as trocas, e toma de vender caldo verde.
As pessoas chegavam na frente da garagem e perguntavam:
– É aqui que tem o caldo verde da tia Jurema?
E a gente respondia que sim, que era ali mesmo e
já puxava uma cadeira pro sujeito esperar o prato dele. Num certo momento
alguém se deu conta de perguntar pra minha mãe se estava tudo certo e se ia
sobrar mesmo pra nós, com todo aquele movimento, e ela, meio sem jeito,
respondeu que se a gente quisesse comer teria que parar a venda naquela hora,
senão ia acabar de novo.
Uma rápida reunião familiar foi armada e
decidimos que se o caldo acabasse de novo, no segundo dia consecutivo, cedo
daquele jeito, a nossa reputação de festeiro junino ia ficar abalada. Então, resolvemos
que íamos vender tudo o que tinha e, na verdade, naquela noite, quanto mais tivesse
mais seria vendido porque o caldo verde da dona Jurema era a coisa mais falada
da Festa Junina da Rua Temporal.
Quando enfim tudo se acalmou, bem mais tarde, já
na madrugada, todo mundo cansado, depois até do banho revezando o chuveiro e
que por isso demorou um certo tempo, fomos todos pra mesa da cozinha ver o que
a gente ia inventar pra comer. Enquanto olhávamos pra dentro da geladeira
procurando alguma sugestão ficamos argumentando que teria de ser algo rápido,
pois ninguém ia pra beira do fogão a uma hora dessas, ainda mais com o cansaço.
Então, do nada, surge a minha mãe com uma panela grande nas mãos e vai
andando até o meio da mesa. Quando chega lá olha pra nós, segura firme na tampa
e diz um, dois, três e abre. Estava cheinha com o puro e legítimo caldo verde
da dona Jurema.
Diante daquela surpresa gastronômica que nos
salvaria a vida, um perguntava por cima da fala do outro de onde a panela teria
vindo, pois que a gente achava que tinha acabado o caldo e a alegria foi tanta
que a gente fez uma rodinha e, abraçados, começamos a cantar uma musiquinha
tipo de torcida de futebol, que no final dizia “aha, uhu, o caldo verde é nosso”,
no meio da cozinha.
A festa junina ainda durou o outro final de
semana, com o mesmo sucesso. O caldo verde ficou mesmo famoso e a gente teve de
prometer que no ano seguinte teria mais. E teve!
A lembrança daquele dia sempre volta,
nitidamente. Basta que um de nós faça de novo um caldo verde e conte pros
demais.
A saudade daquele dia vem como uma boa sensação,
digo hoje com certa paz.
E está guardada bem aqui.