Um dos mais simples sanduíches criados pelo
homem é o bom e velho pão com ovo. Para uma parte dos entendidos, os
sanduichólogos profissionais, ele só perde em simplicidade pro pão com
manteiga. Se bem que, no universo destes experts, o pão com manteiga não deve
ser considerado como sanduíche, sabe-se lá por que.
O pão com ovo, básica e tradicionalmente
constituído por um pão francês e tendo um ovo frito dentro, também é o mais
barato dos sandubas, o que lhe dá o status de melhor opção para aquele final de
mês complicado, sem grana pro lanchinho das quatro da tarde, justamente naquela
hora em que você está doido pra dar o final do expediente.
Informações bizarras sobre pão com ovo têm aos
montes na internet. Por exemplo, uma festa de aniversário cujo tema escolhido
pela criança foi pão com ovo. Tem um site que anuncia: conheça os benefícios do
pão com ovo. No Ceará, um bandido tem a alcunha de Pão com Ovo. E um gourmet postou num site a informação
nutricional do pão com ovo. A tabela tá lá no final deste texto. Enfim, o pão
com ovo está com tudo. Como diz o Chris, um amigo meu odiado por todos: pão com
ovo hoje, pão com ovo amanhã, pão com ovo sempre. E pronto.
Mas, voltando ao nosso causo, dando ênfase ao
valor irrisório do vale refeição que eu recebia, sem reajuste há anos, eu costumava
dizer que o nome correto dele devia ser vale-pão-com-ovo. Almoçar com aquilo,
diziam lá no trabalho, era uma piada sem a menor graça, pois só dava mesmo pro
pão com ovo e olhe lá. No começo muita gente o chamava de vale-coxinha, mas, hoje
em dia, com os coxinhas em franca e vergonhosa decadência, foi até bom mesmo que
o nome que pegou tenha sido o primeiro.
Enfim, depois que eu vim morar em Floripa, sempre
que eu saía pra fazer um lanche ou mesmo almoçar, ao passar pelos colegas e
também pelos vigilantes que ficavam na porta do prédio eu dizia que ia ali comer um
pão com ovo e voltaria logo. Eles riam de mim e diziam vai com deus ou bom
almoço e, diante da troça compartilhada, eu saía dando risada também.
Uma tarde, quando eu voltei do meu lanche, um
dos vigilantes me disse que a recepcionista queria falar comigo e que teria
perguntado pra eles onde eu conseguia o pão com ovo que eu comia todos os dias.
Surpreso, eu fui falar com ela, que me recebeu aflita, com as mãos juntas:
– Anderson, me diz onde você compra esse pão com
ovo? De tanto você falar nele eu fiquei com vontade. Só que eu fui procurar nas
lanchonetes aqui perto e ninguém faz o tal pão com ovo. Onde você compra, vai,
me diz?
Eu então comecei a explicar pra ela a piada do
pão com ovo, que eu falava de brincadeira, que na verdade eu não comia o tal
sanduíche e só chamava o lanche daquele jeito por causa do vale-refeição. Disse
que todo mundo ali sabia que era brincadeira minha e que eu até achava que ela
sabia também. A menina foi murchando enquanto eu falava e eu notei que ela
realmente tinha saído pra procurar nas redondezas e não tinha achado o que pra
ela (e pra mim) era a coisa mais fácil, que qualquer lanchonete deveria ter.
Mas não.
Todo mundo lá no trabalho, quando soube do
pedido da Lori, a recepcionista, ficou com dó da menina. Diziam que ela tinha
ficado frustrada por não ter achado o tal pão com ovo e davam mais detalhes da
sua procura pelos bares. Nos dias seguintes as pessoas vinham na minha sala e
as conversas iam longe dando conta do quanto era inacreditável que algo tão simples
fosse assim tão difícil de achar e, por fim, cada um dava uma ideia de um lugar
melhor onde procurar, seja padaria, sanduicheria, birosca, bar. Um vigilante até
disse que perto da casa dele tinha um lugar que vendia mas o problema é que ele
passava por lá muito cedo, antes da loja abrir, vindo pro trabalho e, assim,
ficava difícil de trazer pra ela.
Numa tarde então eu saí à caça de um pão com ovo
pra Lori. Era uma questão de honra. Como ela já tinha ido ver nos locais mais
próximos eu comecei a minha busca pelos bares e lanchonetes mais afastados do
trabalho. Nada. A maioria dizia que os seus salgados vinham prontos de outro
fornecedor e onde fazia sanduíche dizia que não trabalhava com ovo. Como assim?
Colecionei nãos de monte até que acabei indo
numa casa de suco, perto, já retornando pro trabalho. Entrei só pra reclamar
mesmo. Tinha que resmungar com alguém aquela história. Pedi um suco e sentei no
balcão pra esperar. Quando comecei a narrar o meu périplo pra conseguir um
simples pão com ovo, o rapaz que estava manejando o liquidificador gritou:
– Ela tá grávida?
Pensei: caracas, de onde o cara tirou aquilo?
Primeiro ele se meteu na conversa alheia, pois eu estava conversando com o cara
do caixa e o liquidificador ligado na outra ponta do balcão impedia qualquer
conversa com ele. Depois, no mesmo instante, eu pensei nas minhas palavras e o
que eu teria dito pra que ele entendesse algo parecido com gravidez. Tudo o que
eu merecia agora era aquela conversa de doido. Faça-me o favor!
Aí eu já fiquei mais contrariado ainda porque
ele continuou a falar lá de longe, com o liquidificador abafando tudo o que ele
dizia. Quando finalmente ele desligou a máquina, trouxe o meu suco e disse:
– Olha, a gente não faz pão com ovo aqui não.
– É, eu já sei! – disse eu, resignado e com um considerável
grau de irritação.
– Mas, assim, se a mulher está grávida a gente
faz o sanduíche pra ela, ora. Essas coisas de desejo a gente tem que dar um
jeito. Tem ovo aqui e tem pão. Não custa nada fazer um pão com ovo pra sua
amiga gestante.
Eu até podia explicar que a Lori não estava
grávida. Podia contar a história do meu ínfimo vale-refeição. Podia dizer que
era uma piada ela ter acreditado que toda tarde eu saía mesmo pra comer o pão
com ovo e tal. Mas, quer saber? Àquela altura, tudo pelo pão com ovo era
válido. E, afinal, eu não ia mentir nada, só ia omitir, deixar florescer o mal
entendido, um pequeno mal entendido que, afinal, não ia fazer mal a ninguém e,
sim, um bem danado pra nossa recepcionista.
Dali a cinco minutos eu estava saindo da casa de
sucos com um belo e quentinho pão com ovo, cheiroso que só ele. Peguei o
embrulho como se fosse um troféu, paguei no caixa e quando estava saindo e
virei pra agradecer ao balconista que salvou a aventura, um homem que eu mal
havia notado, mas acho que estava lá antes de mim, se adiantou e respondeu.
– Manda um abraço pra futura mamãe. E que Nossa
Senhora dê a ela um bom parto – e levantou o copo de suco de laranja como se
fosse brindar.
Na mesma hora, os dois homens do outro lado do
balcão disseram em coro:
– Amém!
Informação
nutricional do pão com ovo considerando o pão francês de 50g e um ovo de
galinha frito.