(autoria desconhecida)
– Boa tarde. É o senhor Gilberto?
– Sim, sou eu mesmo.
– Ótimo. Deixa eu só checar mais uns dados, por
favor... Aqui no nosso cadastro diz que
você não aceita o PT de jeito nenhum, certo?
– Isso mesmo. De jeito nenhum.
– Acredita que qualquer coisa é melhor que a
volta do PT, confere? Aceita qualquer coisa.
– Exatamente. Qualquer coisa.
– Obrigado pelas informações. O motivo da nossa
visita é muito simples: você foi premiado com uma oportunidade única, para
acabar com o PT!
– Caramba! Que maravilha! Eu?
– Sim! Está em suas mãos. Basta assinar esse
contrato e o PT vai sumir da face da terra, para todo o sempre!
– Nossa, assim? Feito mágica? Só depende de mim?
– Não é mágica. Nós temos os nossos métodos. Mas
sim, só depende de você. Basta assinar.
– É pra já! Deixa eu só dar uma lida aqui... Nacionalidade,
CPF, aham, profissão... tudo certo... Espera aí: aqui está dizendo que eu
preciso entregar um dos meus filhos pra vocês... Para que ele seja torturado.
– É a contrapartida.
– Contrapartida? Isso não é contrapartida! Está
falando em tortura!
– Sim, mas, segundo nosso cadastro, você não
acha tortura uma coisa tão grave assim, concorda? E, só para deixar claro, já
que você também disse certa vez que "corrupção é um tipo de tortura social
etc..." e que "tortura é ter de lidar com a burocracia do
governo", aqui nós estamos falando no sentido clássico, tá? Quebrar ossos,
dar choque... Acho que ali nas letras miúdas está descrito tudo que a gente vai
fazer. Quase tudo, na verdade, pois nosso funcionário tem liberdade criativa.
– Mas são meus filhos!
– Bom, mas esse não pode ser um critério,
concorda? Todo torturado vai ser filho de alguém. Sempre vai ter uma mãe ou um
pai desesperado. Se a gente for se prender a isso, não dá para torturar
ninguém.
– Mas quando eu escrevi sobre tortura, eu estava
falando de pessoas que MERECERAM! A gente não fez nada para merecer isso.
– Se esse é o problema, nós podemos resolver
facilmente. Faço um levantamento das suas multas de trânsito, transação sem
nota fiscal, casos extraconjugais, carteirinha de estudante falsa pra pagar
meia, gato de TV a cabo... Temos aqui uma foto sua com camiseta vermelha, por
exemplo.
– E desde quando usar vermelho é motivo para
perseguir alguém?
– Já temos precedentes nesse sentido. Em todo
caso, pra falar abertamente aqui, a gente nem precisa de nada disso, basta
dizer que alguém é suspeito. Então, não se preocupe com essas burocracias, a
gente consegue apresentar várias justificativas.
– Esquece. Eu não vou assinar isso.
– Você pode encarar isso como um pequeno
sacrifício pessoal em nome de um bem maior, que é o fim do PT. E são só seis
meses. Depois a gente devolve. Vocês superam...
– Isso é loucura. Cai fora daqui!
– Então, você não quer aproveitar essa
oportunidade... Ok. Só preciso colocar uma explicação aqui na ficha do prêmio.
Devo dizer, então, que na verdade você é petista?
– Não! Eu não sou petista!
– Então, estou confuso... Você aceita ou não
qualquer coisa pra acabar com o PT?
– Eu não vou aceitar que machuquem minha família
em nome dessa raiva contra o PT!
(Nota: eu não aceito que ninguém de nossas ou de
quaisquer famílias seja perseguido, ameaçado, atacado e tenha sua vida colocada
em risco em nome dessa raiva contra o PT. Segue o conto...)
– Nesse caso, sinto muito por tomar seu tempo.
Nós vamos procurar outra pessoa que esteja disposta a aproveitar essa
oportunidade.
– Vai lá! Eu DUVIDO que você vá encontrar alguém
que coloque seu próprio filho na mão de um torturador só porque não quer a
volta do PT.
– Tem razão... Já observamos isso. O senhor era
nossa última tentativa nesse modelo. Para o próximo, nós vamos mudar a
pergunta. Vamos dizer que ele pode acabar com o PT se ele assinar o contrato
mandando os filhos de outra pessoa pra tortura. Assim fica mais tranquilo, né?
Quando é o filho dos outros que é agredido, ninguém se incomoda... Então tá. Eu
vou falar com o próximo candidato ao prêmio e daqui a pouco eu volto aqui.
– Volta aqui pra que?
– Pra buscar o seu filho.
– Como assim?
– Acabo de explicar: vamos perguntar a outra
pessoa se...
– Chega! Isso é errado!
– Certo, errado... É tudo uma questão de
opinião, né? Muita gente considera certo o que estamos fazendo.
– Saia daqui de uma vez e não volte nunca! Vocês
não tem esse direito!
– Direitos? Agora você se importa com direitos?