terça-feira, 23 de outubro de 2018

Conto Com Enxofre

(autoria desconhecida)

– Boa tarde. É o senhor Gilberto?
– Sim, sou eu mesmo.

– Ótimo. Deixa eu só checar mais uns dados, por favor...  Aqui no nosso cadastro diz que você não aceita o PT de jeito nenhum, certo?
– Isso mesmo. De jeito nenhum.

– Acredita que qualquer coisa é melhor que a volta do PT, confere? Aceita qualquer coisa.
– Exatamente. Qualquer coisa.

– Obrigado pelas informações. O motivo da nossa visita é muito simples: você foi premiado com uma oportunidade única, para acabar com o PT!
– Caramba! Que maravilha! Eu?

– Sim! Está em suas mãos. Basta assinar esse contrato e o PT vai sumir da face da terra, para todo o sempre!
– Nossa, assim? Feito mágica? Só depende de mim?

– Não é mágica. Nós temos os nossos métodos. Mas sim, só depende de você. Basta assinar.
– É pra já! Deixa eu só dar uma lida aqui... Nacionalidade, CPF, aham, profissão... tudo certo... Espera aí: aqui está dizendo que eu preciso entregar um dos meus filhos pra vocês... Para que ele seja torturado.

– É a contrapartida.
– Contrapartida? Isso não é contrapartida! Está falando em tortura!

– Sim, mas, segundo nosso cadastro, você não acha tortura uma coisa tão grave assim, concorda? E, só para deixar claro, já que você também disse certa vez que "corrupção é um tipo de tortura social etc..." e que "tortura é ter de lidar com a burocracia do governo", aqui nós estamos falando no sentido clássico, tá? Quebrar ossos, dar choque... Acho que ali nas letras miúdas está descrito tudo que a gente vai fazer. Quase tudo, na verdade, pois nosso funcionário tem liberdade criativa.
– Mas são meus filhos!

– Bom, mas esse não pode ser um critério, concorda? Todo torturado vai ser filho de alguém. Sempre vai ter uma mãe ou um pai desesperado. Se a gente for se prender a isso, não dá para torturar ninguém.
– Mas quando eu escrevi sobre tortura, eu estava falando de pessoas que MERECERAM! A gente não fez nada para merecer isso.

– Se esse é o problema, nós podemos resolver facilmente. Faço um levantamento das suas multas de trânsito, transação sem nota fiscal, casos extraconjugais, carteirinha de estudante falsa pra pagar meia, gato de TV a cabo... Temos aqui uma foto sua com camiseta vermelha, por exemplo.
– E desde quando usar vermelho é motivo para perseguir alguém?

– Já temos precedentes nesse sentido. Em todo caso, pra falar abertamente aqui, a gente nem precisa de nada disso, basta dizer que alguém é suspeito. Então, não se preocupe com essas burocracias, a gente consegue apresentar várias justificativas.
– Esquece. Eu não vou assinar isso.

– Você pode encarar isso como um pequeno sacrifício pessoal em nome de um bem maior, que é o fim do PT. E são só seis meses. Depois a gente devolve. Vocês superam...
– Isso é loucura. Cai fora daqui!

– Então, você não quer aproveitar essa oportunidade... Ok. Só preciso colocar uma explicação aqui na ficha do prêmio. Devo dizer, então, que na verdade você é petista?
– Não! Eu não sou petista!

– Então, estou confuso... Você aceita ou não qualquer coisa pra acabar com o PT?
– Eu não vou aceitar que machuquem minha família em nome dessa raiva contra o PT!

(Nota: eu não aceito que ninguém de nossas ou de quaisquer famílias seja perseguido, ameaçado, atacado e tenha sua vida colocada em risco em nome dessa raiva contra o PT. Segue o conto...)

– Nesse caso, sinto muito por tomar seu tempo. Nós vamos procurar outra pessoa que esteja disposta a aproveitar essa oportunidade.
– Vai lá! Eu DUVIDO que você vá encontrar alguém que coloque seu próprio filho na mão de um torturador só porque não quer a volta do PT.

– Tem razão... Já observamos isso. O senhor era nossa última tentativa nesse modelo. Para o próximo, nós vamos mudar a pergunta. Vamos dizer que ele pode acabar com o PT se ele assinar o contrato mandando os filhos de outra pessoa pra tortura. Assim fica mais tranquilo, né? Quando é o filho dos outros que é agredido, ninguém se incomoda... Então tá. Eu vou falar com o próximo candidato ao prêmio e daqui a pouco eu volto aqui.
– Volta aqui pra que?

– Pra buscar o seu filho.
– Como assim?

– Acabo de explicar: vamos perguntar a outra pessoa se...
– Chega! Isso é errado!

– Certo, errado... É tudo uma questão de opinião, né? Muita gente considera certo o que estamos fazendo.
– Saia daqui de uma vez e não volte nunca! Vocês não tem esse direito!

– Direitos? Agora você se importa com direitos?