Acho que foi por volta do ano 2005, ou 6. Era aniversário da cidade e, entre as várias comemorações, naquele ano anunciaram que no parque, pertinho de casa, ia ter um show com o Jorge Ben, o mesmo que, alguns anos antes, tinha passado a ser Jorge Ben Jor.
Eu custei a acreditar no tal evento. Primeiro porque era alguém conhecido no Brasil todo e não um artista local, como sempre acontecia. Depois porque era um músico, cantor e compositor com reconhecida história no cenário da música popular brasileira de todos os tempos. Um ícone, por assim dizer. E eu estranhei justamente que alguém daquele nível havia sido contatado pela prefeitura pra fazer um show na cidade.
Esperei ainda uns dias pra ver se confirmavam e, como ninguém desmentiu, eu comecei a avisar pros amigos.
Todos desconfiaram também e me perguntaram insistentes se não era algum sertanejo, daqueles que berram sem berrante, ou mesmo uma dupla feminina com chapéu de cowboy e que iria cantar, beber, cair e levantar, e depois ser presa – as duas – pelo guarda que as flagrou dormindo na praça. Mas não, “é o Jorge Ben Jor mesmo, gente!”, alardeei todo animado.
Nesse mundo de meu Deus, é fato que, olhando de perto, ninguém é normal. Ponto. Essa sentença é bem comum, o que me permite revelar que, em todos os shows para o quais eu me programo estar presente, eu ensaio uma ou duas músicas do cantor, para o caso de eu ser chamado pra tocar com ele no palco. Eu sei, nunca aconteceu isso, nunca ninguém me convidou. Mas, mesmo assim, eu sempre gosto de estar, digamos, preparado para o caso de um “vai que”, e aí trato de tirar a música certinha, memorizando os acordes e fico ali, o show todo, só na expectativa daquela possibilidade.
Jamais eu fui a um show de música popular sem antes ter, prontinha, uma canção do artista convidado pra tocar com ele no palco. Imagino que ele iria perguntar no meio do show:
– Então gente, tem alguém aí da plateia que quer subir aqui pra tocar uma música comigo?
E eu levantaria o braço, rápido como um relâmpago, e subiria as escadas da glória, torcendo pra que meu irmão, ou meu filho, visse aquela cena, de algum jeito, algum dia.
Naquela época eu conhecia um engenheiro, Márcio, muito gente boa, amigão mesmo, que adorava a música O Namorado da Viúva. Sempre que aparecia um violão por perto ele me pedia pra tocar a canção. Às vezes era o meu violão, mas, muitas vezes, era o violão dele mesmo que surgia de repente nas reuniões e nos bate-papos.
E eu sempre dizia que aquela era uma das primeiras músicas que aprendi no violão e que, por ser muito antiga, pouca gente conhecia. Eu mencionava este detalhe e depois arrematava, elogiando o seu gosto e sublinhando que ele era um verdadeiro fã do então Jorge Ben, um artista de renome internacional, referência para músicos do naipe de Caetano Veloso e também de Gilberto Gil.
Assim, quando o show começou naquela tarde festiva e ensolarada; quando subiu ao palco o dono do melhor suingue brasileiro, com sua guitarra branca, todo de branco e óculos escuros, foi um delírio geral no parque. Uma gritaria enorme ecoou solene para depois se tornar um coro de Jorge, Jorge, enquanto ele saudava a todos e brindava o aniversário da cidade de Floripa.
Quase todo o repertório era composto de músicas conhecidas, todas dançantes, e todos ali sabiam as letras de cor. Era um grande baile a céu aberto, raro até, a um certo ponto, pois só vinha música de qualidade, uma atrás da outra.
Foi então que eu tomei coragem e fui até a lateral do palco. Fiquei um tempo ali observando e chamei um funcionário da produção do show. Pelo crachá era alguém da equipe do Jorge Ben e diante da minha pergunta ele me garantiu que o artista raramente atendia a pedidos do público e que nem era afeito a seguir a sugestão para tocar alguma música.
Quando eu estava agradecendo, resignado, e me preparando pra voltar ao meu lugar, ouvi o som parar e o cantor falar com a plateia:
– E aí, Floripa, o que vocês querem ouvir que eu ainda não toquei? Vamos lá, é o aniversário de vocês.
Na mesma hora eu fiquei na ponta dos pés e avistei o cara da produção. Ele fez um gesto me chamando de volta e disse que não estava entendo nada e não tinha como explicar aquilo, mas, se eu quisesse pedir alguma música, aquela era a hora.
Na mesma hora eu disse:
– O Namorado da Viúva.
– O quê? Tem essa música?
– Tem sim. É ótima.
– E é do Ben Jor?
– Sim, é dele desde quando ele ainda era só Jorge Ben.
– Se você diz, ok. Vou passar pelo rádio, lá pro palco. Vamos torcer.
– Ah, olha, diz que, se ele não lembrar, eu posso subir e tocar com ele. Valeu?
E fui correndo direto pro meu lugar, só esperando pela reação do músico. Claro que havia a dúvida se ele ia achar boa a minha sugestão, se ia lembrar a letra, como tocar e, principalmente, se ia me chamar mesmo pra subir ao palco. Meu nervosismo já estava incontrolável, querendo que alguma dessas respostas fosse um não, que aí já acabava com tudo e eu não morria de ansiedade.
Ele foi tocando, tocando, atendendo aos pedidos, e de repente anunciou:
– Eu vou tocar agora uma música bem antiga, que eu nem lembro direito, mas que gosto demais dela e agradeço aí pro amigo que pediu. Se chama O Namorado da Viúva.
A emoção foi demais. Eu chorei pela música, pelas palavras dele antes de tocar, pelo meu amigo Márcio e pelas lembranças de quando eu atendia ao seu pedido e a gente cantava junto.
Dizem que a música tem o dom de nos transportar, de nos levar e enlevar.
E toda vez que eu volto àquele dia, que volto ao parque de Floripa, que eu revisito o show do Jorge Ben Jor, ele está lá no palco, empunhando a sua guitarra branca, cantando O Namorado da Viúva, apontando pra mim e sorrindo em agradecimento.
Tudo certinho como aconteceu.
No mesmo lugar.
Exatamente.
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