Quase todo
final de ano, com exceção daqueles proibidos pela pandemia, a mesma programação
de viagem ao Rio acaba se confirmando. Mais cedo ou mais tarde, vai chegando
final de novembro e a gente decide que rever os amigos e a família é algo
inegociável e, aí, marca as passagens.
Naquele ano
minha esposa estava fazendo um programa de alimentação balanceada e muito da
sua comida era preparada mesmo em casa. No geral, a regra do tal programa era
que alguns produtos deviam ser reduzidos e outros evitados ou preparados de uma
forma específica. Isso acabava fazendo com que ela levasse sempre um potinho ou
outro, contendo a sua comidinha especial, para qualquer lugar que fosse.
Quando
entramos na sala de embarque, naquele ano, eu tive a impressão que uma das
guardas do setor de inspeção de bagagens, que conversava com outra colega perto
das esteiras, havia apontado na minha direção assim que me viu. Eu estranhei um
pouco o fato, mas logo achei que era algo normal, pois, em geral, para os
seguranças dos aeroportos, todos são suspeitos. Inclusive eu, ué!
Enquanto a
fila andava e a gente se aproximava do raio X a tal guarda ia acompanhando o nosso
movimento. Não sei se por acaso ou premeditação, o fato é que quando a gente
chegou na esteira para inspeção das bagagens ela estava justamente posicionada no
mesmo guichê de atendimento. Ficou ali de pé, ao lado da atendente principal
posicionada à frente da tela, esperando pela passagem das nossas bolsas, aliás,
uma bolsa e uma mochila, esta última já fora no meu ombro, pronta pra ser
depositada na mesa, junto com as coisas de metal que eles sempre pedem pra
gente tirar.
Eu estava bem
tranquilo. Tirei o relógio, o celular do bolso, os óculos e então informei que
tinha um tablet na parte de trás da mochila, ao que elas responderam com um
simples Ok.
A mochila
passou. Mas alguém fez um sinal invisível e um guarda tornou a trazê-la de
volta ao túnel do raio X. As duas mulheres então esticaram o pescoço pra chegar
mais perto da tela, enquanto uma delas apontava pra imagem, balançando a
cabeça.
– Senhor, o
que é isso na sua mochila.
– Um tablet,
conforme eu informei ainda agora.
– Não. Tem uma
coisa aqui. O senhor está levando uma faca na sua mochila? É isso?
Eu dei até uma
risadinha nervosa, mas respondi com calma:
– Claro que
não. Eu sei que não pode embarcar com nada desse tipo. Imagina. Uma faca!
– Mas é uma
faca.
– Não é não. Pode
ver direito. É algum outro objeto. Mas faca, jamais.
No mesmo
momento que minha esposa se aproximava pra ver o que estava acontecendo, já
tendo sido liberada, ela e sua bolsa, a guarda tirou da minha mochila não só
uma faca, mas também um garfo, envoltos num envelopinho plástico que eu
reconheci como sendo da minha própria casa. Ela tirou os dois, me mostrou e eu
fiquei sem palavras.
– Ah, isso? Eu
já tinha até me esquecido – disse minha mulher. Esses talheres são meus. É que
eu estou fazendo uma dieta e eu mesmo levo a minha comida. Tem uns potinhos aí
dentro, pode ver. Eu nem tinha me dado conta de que não podia levar no voo.
Tudo bem, pode descartar. Me desculpe.
Se a guarda já
havia me carimbando como suspeito desde a minha entrada na fila, agora com uma
faca sendo retirada da minha mochila, ela teve certeza de que o seu olho
clínico de guarda estava mesmo apurado. E por mais que eu explicasse o já explicado
pela própria pessoa que botou a faca – e o garfo – dentro da mochila, o
suspeito definitivamente era eu.
Não tinha como
eu argumentar. Era um caso perdido.
Enquanto a
gente esperava a hora do voo, já na sala de embarque, a tal guarda passou pelo
saguão por duas vezes. Sempre me olhando, parecia tentar descobrir o que mais
eu escondia e quais eram os meus verdadeiros planos para aquela viagem.
Esses apuros
que acontecem com a gente e que nos deixam em suspense por um certo tempo,
assim que se extinguem em toda a aflição causada, passam a ser engraçados e a
gente começa a lembrar e a rir. Ainda bem.
Foi assim que,
numa dessas vezes em que a autoridade-guarda-feminina me filmou com os seus
olhos de raio X no saguão do aeroporto, eu disse baixinho pra minha esposa,
puxando um trejeito de filme policial:
– Olha Bonnie,
da próxima vez que você quiser sequestrar um avião, pelo menos me avisa, tá?
Que aí eu escondo melhor as facas e as armas e não fico com cara de tacho na
frente da polícia.
Ela disse um
“o quê?” espantado, depois percebeu que eu já estava rindo e assentiu com um
“Ok, Clyde, pode deixar” e deu uma risada também.
Muito boa essa! Muito boa essa história e o final... É bem a cara de vocês dois
ResponderExcluirSe eu já adoro suspense policial... o final cômico ficou perfeito!
ResponderExcluirlos suspensos y las tensiones, que bueno reir al final! gracias!!!
ResponderExcluirNoticiário da noite: "Agente de fiscalização aeroportuária consegue impedir sequestro de voo para o Rio de Janeiro. O terrorista estava de posse com uma arma branca."
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