segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Um Dia Duro Pra Sair do Escuro

 

Eis que as primeiras notícias da manhã davam conta de que a Polícia Rodoviária Federal estava fazendo operações nas estradas de todo o país, com o objetivo de impedir que as pessoas fossem votar.

Nas cidades do Nordeste, principalmente, e nas periferias das grandes metrópoles as polícias militares faziam a mesma coisa.

No Rio de Janeiro o Exército montou verdadeiras barricadas, pelas quais só passavam eleitores que indicassem seus votos no candidato à reeleição. Na Avenida Brasil os policiais faziam blitz parando carros e ônibus e só liberavam aqueles que declaravam o voto no verde e amarelo. Para garantir que os veículos não fossem parados nas demais barreiras logo à frente, os próprios soldados adesivavam os carros com o número do candidato. Era a senha para que não fossem parados novamente.

Nas primeiras horas do dia o número desse tipo de operação chegava a 100 e, no meio da tarde, já era mais de 500 em todo o país.

Não bastassem essas violências contra o eleitor, tudo isso era apenas uma espécie de complemento aos atos terroristas de dias anteriores, quando um ex-deputado ao resistir à prisão, ou seja, a uma ordem da Suprema Corte, desferiu 50 tiros, inclusive de fuzil, e detonou algumas granadas na direção dos agentes da Polícia Federal, que cumpriam a ordem. Na mesma toada, uma deputada da base governista era filmada, de arma em punho, perseguindo um cidadão pelas ruas de São Paulo, em plena luz do dia.

Por mais que o Superior Tribunal Eleitoral tentasse conter as sabotagens ao processo eleitoral em curso, ordenando a suspensão das operações nas rodovias, tudo o que se via era um quadro flagrante de tentativa de manipulação e desrespeito às regras da votação que se estendia.

Desonesto com apoio de desonestos. Torturador com apoio de torturadores. Genocida apoiado por genocidas. Fascistas com apoio de fascistas. Exterminador de florestas apoiado por exterminadores idem. Negacionista da ciência e da vacina contando com o apoio de negacionistas da ciência e da vacina. Destruidor da Cultura e das Universidades Públicas apoiado por destruidores da Cultura e das Universidades Públicas. Determinado a extinguir a Saúde Pública – SUS, com o apoio daqueles que igualmente querem o fim da Saúde Pública no Brasil. Ditador, por diversas vezes pediu a volta do AI-5 e o fechamento de Congresso e STF, e tudo isso tendo como apoiadores outros ditadores, os ditos cidadãos e cidadãs de bem. Homofóbico e machista, completando o pacote, com apoio, óbvio, dos machistas homofóbicos e racista com apoio dos racistas. Simples assim.

Quem se dispôs a dar o seu voto a esse indivíduo, saiba que se ele sempre foi tudo isso e que, com o seu ato, cada qual firmou, assinou, aderiu totalmente, eu disse totalmente, a tudo o que ele representa, faz e diz, na sua linguagem indecente, típica do homem primitivo que sempre demonstrou ser. Não dá pra se esconder agora. Todos sabiam exatamente do que se tratava. Cada um que assuma a sua culpa, a sua imoralidade e desonestidade com a raça humana, com o país, o próximo e também com o futuro dos seus filhos e netos.

Pois voltando ainda à cronologia do 30 de outubro, no início da apuração dos votos, todo o país sabia que as tais tentativas de sabotagem só serviriam para prejudicar um dos lados da disputa. E era essa a maior das preocupações: com a justiça daquele processo que se desenrolava.

Já nos primeiros números eu senti que não ia suportar ficar na frente da tevê testemunhando cada ponto percentual. Então eu fui pro quarto e fiquei ali andando no escuro. Saía pelo corredor, passava na porta do banheiro, indo até a janela, sem rumo, ora com a cabeça entre as mãos, ora esfregando o rosto e a testa e respirando forte, descompassado.

Fiquei assim por quase duas horas. Rezava e pedia. São Benedito, o santo do meu pai, Nossa Senhora de Fátima, Cabocla Jurema da minha avó Júlia, Vovô Cipriano, Caboclo Ubirajara Peito de Aço, Seu Tranca Rua, Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Judas Tadeu, Joanna de Ângelis, Emmanuel, Eurípedes Barsanulfo, André Luiz, Chico Xavier, Doutor Bezerra de Menezes. Por vezes as lágrimas teimavam em vir. E eu rezava ainda mais.

Imediatamente, quando me surgiu a imagem da minha mãe, eu logo pensei no que ela faria se estivesse ali comigo, se estivesse naquela situação de ansiedade e desespero, almejando um bem, em nome de tanto bem, e de tantas pessoas que também precisam desse mesmo bem.

E como sou filho da dona Jurema, optei por fazer exatamente o que ela faria: uma promessa.

Ali, no escuro do quarto, diante da janela que mostrava uma noite até então ameaçadora, eu lembrei da minha mãe e da gloriosa Santa Rita. A Santa Rita dos Impossíveis. A Santa que dá nome à igreja onde, por quase três anos, eu fui coordenador do grupo jovem e toquei nas missas dos fins de semana. E lembrei que já tinha um tempo que eu não conversava com ela, que não relembrava daquele tempo, daquelas músicas, da imagem que ladeava o altar, sempre rodeada de lindas rosas vermelhas.

O fato é que mal deu tempo de verbalizar minha promessa e entra a Rê pelo quarto repetindo “Deu. Deu. Viramos. Ganhamos.”

Hoje, dia 31, eu saí no meio da manhã para ir até a Igreja de Santa Rita. Entrei, sentei em um dos bancos e fiquei ali sozinho, rindo, chorando, agradecendo, rezando, passando as mãos pela cabeça, aliviado pela imensa felicidade e alegre pelo reencontro com aquela imagem tão querida.

Pela inspiração que mais uma vez veio da minha mãe, só posso dizer que Deus é quem sabe tudo sobre o meu frágil coração.

Sempre.

Amém.

 

 

 

PS - O título dessa crônica faz referência à música “16 de Novembro”, de Ivan Lins e Vitor Martins, lançada em 1988.

https://www.youtube.com/watch?v=7k5qgGugZLU


5 comentários:

  1. Promessas vindas do coração são sempre atendidas. Nossas mães sabem disso.

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  2. Que crônica magnífica. Oportuna. Parabéns

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  3. Foi um domingo difícil, né, primo? Eu ligava e desligava a tv, mas a ausência de notícias me deixava ainda mais ansiosa, nervosa, e as lágrimas tbm teimavam em rolar. Não era uma eleição comum... muita coisa estava em jogo, dentre elas, a mais importante, a vida, mas por fim pudemos soltar o grito sufocado desde o golpe de 2016 e respirar aliviados... Ganhou o povo brasileiro, ganhou o Brasil, ainda que metade dele não tenha consciência disso...
    Agora é aguardar esse projeto de tentativa de golpe disfarçado de patriotismo que vem ocupando as ruas passar, aguardar o Jair parar de fazer manha e, a partir de 1º de janeiro começar a reconstrução dessa Nação

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  4. Não foi só você que passou por esse drama, meu caro amigo Anderson, eu não tenho a fé que você cultiva, diante do meu ateísmo não tive a quem recorrer, só pedi a meu velho coração que suportasse a tensão que meu cérebro não parava de produzir até que saísse o resultado tão esperado, quando isso aconteceu. Não pulei, nem gritei de alegria, abracei a Izide, minha companheira e choramos juntos, foi a nossa forma de dizer, enfim a luz voltou nesse imenso Brasil!

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  5. Caro amigo e tenista parceiro Anderson. Sou solidário em todas as suas aflições! Foram meses de esperas, angustias, tristezas que, às vezes, quase chegava a desespero! Isso sem contar que já são anos que estamos vivendo as agruras de um governo do ódio, da mentira, do genocídio. Então, o que estamos vivendo agora é apenas é apenas o rescaldo de tempos inacreditáveis que todos nós vivemos. Ainda assim, ainda nos resta força intelectual e física para ficarmos atentos às possibilidades do retrocesso. No tênis, acho que já pendurei a raquete mas no bar ainda sou parceiro para comemorarmos. Grande abraço.

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