No dia do
lançamento do seu livro, Edson foi todo contente tomar o café da manhã na casa
das tias e, claro, aproveitou pra reforçar que as presenças das duas era
imprescindível logo mais, à noite. Alguns dias atrás elas tinham dado sinais de
que não estavam muito bem de saúde, com sinusites e enxaquecas periódicas, e
talvez não fosse possível irem ao evento.
A dona Dirce
era a filha do meio, dos três irmãos. Se casou muito cedo e, como ficou viúva
trágica e precocemente, não teve filhos. Dulce, ao
contrário, se casou bem mais tarde e foi mãe de três filhas, todas morando
atualmente fora do país.
O irmão mais
velho, já falecido, era pai de Edson, o sobrinho querido que foi criado como
filho desde pequeno pelas tias e que agora está prestes a lançar o seu primeiro
livro.
– Não sei não.
Acho que esse lugar não é pra mim. Não vou ficar à vontade no meio de tanta
gente de cultura, essas pessoas letradas... A Dulce vai prestigiar o lançamento
e eu fico em casa. Ninguém vai sentir a minha falta mesmo.
– Como assim?
Eu vou sentir a sua falta – disse o rapaz, apontando o próprio peito.
– Vai nada. Sua
tia é que não pode estar ausente. Já eu...
No lado oposto
da mesa, a pobre Dulce só balançava a cabeça, discordando de toda aquela
conversa tola.
– Edinho, fica
tranquilo. Isso tudo é charme da sua tia. Nós vamos sim e estaremos na primeira
fila dos aplausos. Pode deixar.
Assim que ele
saiu porta a fora as duas foram tirar a mesa e arrumar tudo na cozinha.
– O que foi
aquilo Dircinha? Você está cada dia pior. Cada vez mais ciumenta com o Edinho.
– Mas é
verdade, Dulcinha. Edinho sempre teve muito mais afeição a você. Passou muito
mais tempo da vida com você e, enfim, comigo ele tem respeito, até alguma
estima, mas é diferente.
– Do quê você
está falando, mana? O fato é que eu morava mais perto dele e, sim, o Nico,
quando ficou viúvo, deixava ele lá em casa antes de ir pro trabalho. Mas a
criação dele é fruto da dedicação de nós duas. Juntas, sempre juntas. Não tem
essa de mais afeição por uma ou outra.
– Mas é uma
coisa normal o sobrinho gostar mais de uma tia do que da outra. Muito normal.
– Ah, pare com
isso. Você vai magoar o Edinho com essa conversa. Olha só, eu também posso achar
que ele gosta mais de você do que de mim. Eu sempre reparei que as conversas entre
vocês são sempre mais profundas, longas e eu diria que ele tem muito mais gosto
em propor certos assuntos com você do que comigo.
– O fato é que
se o Edinho tem alguma preferência, tudo bem, ele até pode ter mesmo. Mas se
você disser que essa preferência, às vezes é por uma, às vezes é por outra,
bem, aí eu posso até concordar.
– Ah, claro, é
isso então. Podemos chegar a um acordo e estancar essa prosa sem sentido?
E a conversa
continuou assim, cheia de idas e vindas, até o final da tarde, quando as duas
tias saíram de casa, rumo à livraria do Centro da cidade.
A noite de
autógrafos foi ótima. Cheia de amigos, colegas de trabalho e até alguns
professores do autor. Muitos convidados as tias conheciam de longa data e, por
isso, foram cumprimentadas por eles com grande entusiasmo e estima. É claro que
no meio de tantos abraços os nomes das duas eram, por vezes, confundidos. Mas
elas levavam tudo com bom humor e logo as pessoas se desculpavam sorrindo com
algum ar de timidez.
Quase no final
do evento, quando elas se aproximaram da mesa para receber os seus livros
autografados, o Edson pediu a palavra e fez uma tocante apresentação das tias,
aludindo não só a responsabilidade pela sua criação mas, também, por ter
aprendido com elas o amor pelos livros, pela música, a cultura e, enfim, pela
educação que teve e que fez dele um homem honesto.
Depois dos
aplausos ele fez a entrega dos livros a cada uma e, entre muitos abraços, elas posaram
para as fotos junto com os convidados que se alternavam à frente da mesa.
Na saída, o
sobrinho foi com as duas até a calçada e ali elas embarcaram no carro de um
amigo de infância que fez questão de levá-las em casa.
Durante o
trajeto, cada uma com o seu livro na mão abria a primeira página e lia a
dedicatória. Fizeram isso algumas vezes. Depois de cada nova leitura, cada uma
tornava a fechar o livro e soltava um suspiro de orgulho e satisfação.
Quando se
preparavam pra tomar o chá noturnal, enquanto arrumavam as xícaras, os pratos e
os talheres na mesa, a Dirce pediu:
– Você se
importa se eu ler a sua dedicatória?
– O autógrafo
que o Edinho fez no meu livro? Claro que não. Eu mesmo já li o seu.
– Como já leu
o meu?
– Ué, não
podia? Enquanto você foi no quarto eu peguei e li, ora. Tem algum mal nisso?
– Não, de
jeito nenhum. É que, no meu caso, é só curiosidade mesmo.
– No meu
também. Aliás, saiba que eu gostei muito da minha. Mas você, provavelmente, vai
gostar mais da sua – e as duas deram o mesmo riso nervoso.
O caso é que o
Edinho, já conhecendo as tias, e lembrando do diálogo havido naquela mesma manhã,
durante o café, não hesitou um minuto ao fazer os autógrafos e em registrar
exatamente o que era necessário. Assim, para cada uma das tias ele escreveu a
mesmíssima frase: “Para a minha Tia preferida, um enorme agradecimento pela
vida. Edinho.”
A cena a
seguir é como o final de um filme. Vemos a tia Dirce se dirigindo até a mesa
onde está o livro da irmã. Em seguida ela para e reflete sobre a situação,
ressabiada pelo fato de a irmã já ter lido a sua dedicatória. Então ela toma o
livro da Dulce em suas mãos e passa a ler a dedicatória dela.
Com um sorriso
de soslaio, ela revela a todos nós – da plateia – um sentimento inusitado: um
misto de surpresa e contentamento. Um grande contentamento. Então ela lê a
frase de novo, agora em voz alta, para a irmã ouvir, e depois lhe estende as
duas mãos.
– Tia
preferida! Esse Edinho é um malandro mesmo! Que danado!
Que lindeza!
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