O inverno do
carioca é peculiar. Se dá 19 graus no termômetro a galera já põe o casaco mais
grosso que tem no armário e desanca a reclamar do frio insuportável. Diferente
do Sul maravilha, que faz frio mesmo com o sol brilhante no céu limpo, no Rio,
o frio, aquele intenso de 19 graus, sempre vem acompanhado de chuva fina, o que
nem sempre é agradável.
Eu até gosto
do frio. Como carioca, gosto de estar agasalhado no frio, acho as roupas de
frio mais elegantes e tal. Mas, por outro lado, me incomoda demais a sensação
de estar sentindo frio, nas ocasiões em que me descuido com o vento sul. O que
não condiz com essa condição é que apesar disso tudo, pra mim, a cereja do bolo
é tomar sorvete no inverno. Dizem que não é bom pra garganta, nem para as vias aéreas superiores, que provoca encarangação sistêmica... Nada! Pra mim sorvete no
inverno é uma iguaria. Melhor do que no verão, acredite o prezado leitor.
Fato é que outro
dia o meu tênis, de um tom bege clarinho, estava todo sujo. Pra sair no dia
seguinte nos conformes, eu dei uma boa lavada nele na véspera, no tanque de
casa mesmo. Minhas mãos estavam congelando quando eu tive a boa ideia de acabar
o enxágue em outra pia, que tinha água quente. Ufa, foi uma delícia aquele
final de lavagem.
Passou todo
aquele dia, e mais a noite inteira, e nada do bicho secar. Lembrando da
torneira de água quente eu tive outra ideia, que foi botar o tênis no sol, na
varanda. Pelo menos até a hora de sair ele acabaria de secar e o processo seria
bem mais rápido, claro, com o auxílio do nosso bom e velho astro-rei.
Na hora certinha
de sair eu fui lá, tirei o calçado do sol e vesti quase que imediatamente, com
umas meias de lã que cuidaram de manter o efeito do sol por ainda muito tempo.
A sensação foi imediata e indescritível. Estava tipo 15 graus, um frio do
capeta pra carioca, com vento leve mas gelado, e eu ali com os pés quentinhos,
um conforto que eu avaliei que já devia ter feito, há muito mais tempo, e que
jurei que iria repetir outras vezes.
Não sei se na
rua as pessoas reparavam, mas eu estava caminhando e sorrindo, quase desfilando
pela calçada na frente de casa. Jamais alguém ia imaginar que era por causa do
tênis quentinho. Na certa pensariam: quem sabe o gajo lembrou de uma piada
antiga; quem sabe foi o golaço do seu time no domingo anterior. Ou quem sabe,
se bem conheço esse sujeito de tênis aquecido, ele está pensando com os seus
botões que nessa caminhada cairia muito bem um belo sorvete de morango. É isso!
Pra quem gosta de sorvete no frio a hora é mais do que propícia, diriam.
Entrei na
primeira padaria e nada de sorvete. Só tinha aqueles potes enormes. No mercado
da rua de trás também só aqueles copos de sorvete chiques, de marcas idem, com
sabores variados, mas todos com chocolate. Éca! Chocolate não.
A moça disse:
– Naquela
farmácia ali também vende sorvete – e apontou pro outro lado da rua.
Eu agradeci,
estranhando um pouco, mas topei conferir. O plano original era um sorvete de
casquinha, brilhantemente inderretível pro resto da caminhada. Mas como
se tratava de uma farmácia, eu já atravessei a rua adequando as minhas
expectativas para um picolé mesmo. Que fosse de abacaxi ou de uva e estaria
tudo certo.
A farmácia
realmente tinha uma geladeira horizontal no canto da loja. Fiquei atento ao
cartaz que trazia os preços e os sabores de cada um e notei que as portas
deslizantes estavam trancadas, possivelmente por não ter muita saída nesses
dias de inverno.
Fiquei
esperando que algum funcionário ficasse livre, já que eram muitos clientes em
vários atendimentos. Do lado de trás do balcão, bem lá no finalzinho, quase na
curva da prateleira, uma moça levantou o dedo me perguntando o remédio que eu
queria.
– Sorvete.
– O quê?
– Sorvete – e
apontei pra geladeira.
Uma outra atendente,
que estava mais perto de mim, gritou pra colega detrás do balcão.
– Absorvente.
Ele quer absorvente.
Nesse
instante, toda a população da farmácia se virou pra mim.
Eu até poderia
ter ficado envergonhado nesse momento, mas não acho nada demais um homem ir à
farmácia comprar absorvente. O problema era que, simplesmente, não era isso que
eu tinha dito, e sim sorvete.
Balbuciei
alguma coisa, apontando a esmo, até que uma das gerentes da farmácia passou
como uma flecha pela fila dos idosos e veio até onde eu estava. No caminho,
ainda teve tempo de dar uma bronca na menina:
– Que
absorvente que nada! Você é doida? Tem que ficar mais esperta, minha filha. É
sorvete. O moço estava ali na frente da geladeira, olhando o folheto com os
preços.
– Sorvete? Como
é que ia adivinhar? Quem é que toma sorvete no inverno?
Eu dei graças
a Deus por não ter de explicar tudo. Se a gerente percebeu e veio com a chave
pra abrir o freezer, tanto melhor.
– Essa moçada
vive no mundo da lua, meu caro. Ela está em período de treinamento e o senhor
me desculpe pelo ocorrido. Absorvente... Só na cabeça dela mesmo – disse em tom
quase de gracejo, àquela altura do enredo, querendo rir também.
Eu argumentei
que não havia problema algum e que, realmente, tomar sorvete no inverno não era
lá uma coisa corriqueira, ou trivial. Ainda pensando em distensionar o ambiente
eu falei que, provavelmente, passados alguns minutos, poucos, ou assim que eu
saísse da loja, todos ali estariam rindo do mal entendido, inclusive a mocinha
que levou a bronca na frente de todo mundo.
Finalmente, saí
da farmácia com o meu troféu em forma de sorvete e fui caminhando em direção ao
Centro, prometendo sentar em algum banco da praça e deixar o tênis ao sol por
um bom tempo, até pegar novamente aquela temperatura prazerosa e conservá-la
até chegar em casa.
No caminho de
volta eu estive pensando uma coisa: antes que o inverno acabe eu vou voltar
àquela farmácia. Vou ficar bem lá atrás, quietinho, com a minha senha, e quando
chegar a minha vez vou pedir um absorvente, em alto e bom som.
Estou curioso
pra ver a cara das atendentes, daquela gerente e das pessoas em volta!
Nenhum comentário:
Postar um comentário