Bem diferente
dizer síndico novo e novo síndico. Na segunda sentença diz-se do indivíduo
recém eleito, que foi alçado ao cargo recentemente, revelando-se em uma nova
opção. Já no primeiro modelo, trata-se de um síndico cuja idade se refere a
alguém imberbe, um jovem aspirante na vida condominial.
Foi essa a
conversa que eu presenciei dentro do elevador entre duas senhoras idosas,
moradoras de primeira hora daquele edifício, do Centro da cidade. Ao mesmo
tempo em que frisavam a diferença entre as duas questões, não deixavam de expor
o seu descontentamento com um “moço que nada sabe da vida” vir querer
administrar um condomínio, “veja a senhora, o absurdo”.
A outra, que
antes apenas concordava, suspirou com intensidade e, olhando-se no espelho, alertou
que só nos resta esperar, já que foi a vontade da maioria e, como “sou sempre
pelo culto à democracia”, temos de respeitar a vontade dos vizinhos, registrada
na assembleia de eleição.
Eu não sabia
quem era o síndico novo, tampouco sabia de onde estava vindo aquela inquietação
com o tal eleito. Talvez fosse pelo síndico, o cargo em si, talvez fosse pelo “novo”,
a idade ou a falta dela, quando se trata de experiência para se ocupar um cargo
de administração, seja ele qual for.
Era um prédio
antigo, de 12 pavimentos, com corredores amplos nos andares, onde ficavam os
elevadores e também as escadas, igualmente amplas e bem iluminadas. Não havia
porta corta fogo, pela própria construção da edificação, de tal modo que as
escadas ficavam à vista, bem em frente aos elevadores.
Pois bem, é
justamente nesse espaço descrito, ou seja, no alto da escada de cada andar,
onde ficava uma grande lixeira, um recipiente plástico, devidamente tampado e
que fora instalado fazia tempo. Toda tarde vinha um funcionário da limpeza
recolher o saco de lixo correspondente, andar por andar.
Uma certa manhã,
a surpresa chegou a cavalo. Por ordem do novo síndico, que também era o síndico
novo, as tais lixeiras haviam sido recolhidas. No elevador podia-se ler a nova
instrução alertando que, daquele dia em diante, os condôminos deveriam levar os
seus próprios sacos de lixo até o térreo e depositar no coletor principal do
prédio, que era quase um container, de tão grande.
Não sei se
devido à minha pouca circulação pelas dependências do edifício ou talvez por
minha seletiva desatenção, eu posso jurar que não vi ninguém a reclamar da tal
nova medida, aquela recém exarada pelo novo ocupante da governança condominial.
Pelo que pude perceber, as pessoas simplesmente passaram a cumprir a regra, ou
seja, levar o seu lixo ao local indicado e o bailarico se foi improvisando a
contento.
O tempo passou
conforme Cazuza um dia cantou. Nesse período as portas das garagens foram
lubrificadas, os interfones reparados, algumas luzes substituídas e até o
tapete do saguão foi trocado. O síndico novo era só satisfação.
Foi então que,
subitamente, sem qualquer notificação e sem aquele famoso aviso no elevador, de
repente as lixeiras dos andares voltaram aos seus lugares. Eu ia escrever
devidos lugares, mas quem sou eu pra discorrer sobre o que é devido ou não, frente a
um síndico novo, formado em Administração pela universidade federal e que,
dotado de muitos predicados, vinha fazendo um excelente trabalho à frente
daquele tão almejado cargo?
Diante daquele
fato, daquele recuo nas determinações sapientes do novo administrador, a minha
curiosidade aflorou como nunca antes na história desse país – ah, desculpa,
essa frase é de uma outra crônica. Pois eu fiquei com uma enorme pulga pra
saber a razão da volta daquelas lixeiras, até então tidas quase como uma
plataforma de campanha daquela eleição, me disseram a certa altura. O meu
vizinho de porta então, que já tinha sido síndico – nos primórdios, como ele
mesmo disse –, ficou em pontas de agulha, querendo desvendar a nova
determinação que pegou a todos no contrapé.
A vida leva e
traz, a vida faz e desfaz, já dizia o poeta Miguel Wisnik. E foi exatamente
esses versos que me vieram à cabeça quando entrei no elevador, indo pro
trabalho. As mesmas duas senhoras, novamente lá estavam.
– Eu acho que
se você quer mudar alguma coisa, é preciso saber primeiro porque aquela coisa está
daquele jeito. Aí sim, depois você avalia se o que você quer mudar faz sentido
– disse uma delas.
– Isso. Mudar
só por mudar não garante nada.
– E sem ouvir
ninguém, olha o absurdo! Chegou aqui num dia e no outro já quer ser o tal?
– Agora voltou
com as lixeiras e finalmente entendeu a razão de elas estarem ali.
– Entendeu,
não. Aprendeu.
– Verdade.
Aprendeu. Até os jovens precisam aprender de vez em quando e parar de achar que
sabem de tudo.
Elas deram um
sorriso de vitória e eu me despedi com um bom dia protocolar, enquanto escondia
o meu riso de canto de boca.
Mas a história
ainda estava incompleta para mim. Faltava o toque de mestre, o tópico que teria feito o
síndico se curvar à realidade. Uma realidade cruel, como eu vim a saber depois,
mas que pode ser explicada na própria existência humana.
A
peculiaridade daquele prédio era que ali residiam muitos idosos, muita gente
que morava ali era sozinha e já de idade avançada. O benefício de ter uma
lixeira no próprio andar facilitava a vida dessas pessoas, pois bastava ir até
a frente da escada e deixar o seu lixo, sem precisar andar muito e sem ter a
necessidade de usar o elevador para ir até a lixeira principal, no térreo.
Com a retirada
delas, isso não só passou a obrigar a todos a cumprir esse novo e longo
trajeto, mas principalmente, desajustou o que estava dando certo. É que os
idosos, na maioria das vezes, não percebiam quando seus sacos de lixo estavam
vazando algum líquido. E esses líquidos são ótimos em produzir mal cheiro, um
mal cheiro que agora estava tomando todos os andares do prédio, o saguão e também
os elevadores.
Por mais que
os abnegados funcionários da limpeza se esforçassem, o cheiro impregnava cada
vez mais. E eles passaram a limpar duas vezes por dia, aplicavam desinfetantes,
jogavam desengordurantes perfumados de todas as marcas e nada, o cheiro
continuava firme e forte. Foi um alívio para eles quando souberam que as
lixeiras iam finalmente retornar, para encerrar aquela luta insana.
Tudo enfim
parecia ter voltado à normalidade. Foi pura sorte a minha quando, dois dias
depois, eu entrei no elevador e não tinha ninguém. No mesmo instante eu reparei que onde se
colocavam os avisos havia um papel e nele estava escrito uma única e curta frase:
“A Vida Ensina”. Nossa, eu quase aplaudi. Aquela sutileza! Quase dei um pulo no
elevador vazio.
Na mesma hora
eu pensei nas velhinhas. Ou nos velhinhos. Em todos eles, enfim. Em todas as
pessoas que tinham alguma dificuldade de deslocamento e mobilidade.
Não sei quanto
tempo aquele “aviso” ficou ecoando ali, clandestino.
Mas ninguém se
atreveu a retirar o papel de dentro do elevador.
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