Foi pura sorte
eu ter entrado no banco exatamente na hora que começava a chover. Estava tudo
muito vazio, já que atualmente todo mundo resolve as coisas pela internet, pelo
aplicativo do banco etc. No meu caso, eu só queria fazer um depósito, em
dinheiro, e não havia alternativa, a não ser ir até a agência. Portanto, já que eu
estava lá, optei pelo caixa mesmo, ao invés de usar aqueles envelopinhos do
autoatendimento.
Junto comigo
entraram também algumas pessoas, somente com o motivo de fugir da chuva que
apertava. Ficamos todos um tempo ali na entrada, sacudindo as roupas ainda úmidas.
Só depois disso que eu fui pra porta giratória, a caminho do caixa.
Ao me ver, o
guarda fez sinal pra eu passar e perguntou:
– Onde o
senhor vai?
– No caixa.
Fica no segundo andar, né?
– Mas e o
guarda-chuva?
– Não tenho
guarda-chuva não.
– Mas nós
vimos pela câmera o senhor mexendo na sua mochila e botando alguma coisa dentro
dela. E parecia um guarda-chuva.
– Eu nem tenho
mochila, moço. Estou só com esse envelope na mão.
– Tinha uma arma
na sua mochila?
– Como assim,
que arma rapaz? Eu nem estou com mochila alguma.
– O senhor
pode ter botado a mochila, com a arma, no armário de guarda-volumes ali fora.
– Ok. E do que
me adianta uma arma dentro da mochila, fechada no armário do lado de fora? Você
acha que se eu fosse fazer um assalto ou qualquer coisa, ia deixar a arma lá
fora?
– Eu não sei
de nada. O senhor é que está dizendo. Eu estou só perguntando.
Uma atendente,
que talvez estivesse percebendo o diálogo surreal, veio me ajudar. Fez um sinal
para o guarda pavonesco e me levou a uma baia de atendimento, daquelas onde
ficam os gerentes.
– O senhor
quer ir até o caixa pra quê?
– Pra fazer um
depósito. Em dinheiro.
– Humm...
Mas... Esse montante é seu mesmo? O senhor pode comprovar a origem desses
valores? São notas numeradas em sequência? Têm alguma marca de tinta nelas?
– Marcas de
tinta? São só 300 reais em notas de 50. Não tem nada de montante.
– O senhor vai
depositar lá com a dona Marízia? O senhor é amigo dela?
– Não sou
amigo não. Eu nem a conheço.
– O senhor já
trabalhou neste banco?
– Nunca
trabalhei em banco. Só vim fazer um depósito. Eu raramente venho a agência.
– Fique
tranquilo. Está tudo bem. Fique calmo. Eu vou providenciar os papéis para o
senhor assinar.
Olhando pros
lados, eu notei que o saguão de atendimento dos gerentes estava igualmente
vazio. Só havia as mesas, os computadores, nada de gerente, uns carimbos,
alguns copos e umas canetas e só. E também não tinha cliente algum esperando, a
não ser eu.
A moça voltou
com uns papéis e foi logo botando os óculos, enquanto se sentava ao meu lado.
Notei que ela não ficou na cadeira do outro lado da mesa, como seria normal em um
atendimento. Mas, normalidade era o que eu menos tinha visto até então.
– Pelos nossos registros a sua conta é originária do Rio de Janeiro. O senhor confirma?
– Sim, eu fiz
a transferência da conta pra cá quando vim morar aqui.
– E qual foi o
motivo?
– É isso que
estou dizendo: porque vim residir aqui.
– Eu pergunto
porque o senhor veio residir aqui? Houve alguma ocorrência na antiga agência,
no Rio?
– Não senhora.
Eu vim trabalhar aqui. Eu pedi transferência do meu trabalho.
– Qual é a
senha do seu e-mail? É do Yahoo não é mesmo?
– Não. Não vou
te dar senha alguma. Que isso agora?
– Ok. Então qual
é mesmo o valor do consignado que o senhor deu entrada? E o senhor lembra qual
o tempo total do contrato?
– Olha, eu não
pedi empréstimo nenhum. Verifica aí que deve ter algum erro.
– Outro ponto:
qual o dedo que o senhor costuma usar no leitor digital no caixa eletrônico?
Nisso se
aproximou o mesmo guarda da entrada e ficou de pé ao meu lado. Às vezes ele
tirava o cassetete do cinto e batia na palma da mão, depois guardava de novo. Incomodado
com a minha demora em responder ele falou:
– Olha, as câmeras
gravam sempre o dedo que o senhor usa para os saques. Tem uma câmera acima de
cada caixa eletrônico. Então, não adianta mentir porque está tudo gravado lá.
– Gente, eu uso
o indicador, como todo mundo.
– Que todo
mundo?
– Eu sei lá.
– Onde o
senhor guarda dinheiro em casa? O senhor tem um cofre na parede? – retomou a
atendente manuseando a caneta e apontando para o formulário.
– Claro que
não. Não guardo dinheiro nenhum em casa. Aliás, nem tenho dinheiro suficiente pra
guardar. Nem em casa, nem em lugar algum.
– E as joias?
Onde ficam?
– Nada de
joias. Eu tinha um único cordão de ouro, mas dei pro meu filho já faz um
tempão.
– Qual o
número do cofre pessoal que o senhor aluga aqui no banco?
– Não alugo
cofre nenhum.
– E sobre o seu
consignado, como seriam os juros caso...
– Já disse que
não fiz pedido de consignado nenhum.
– Mas o senhor
não veio aqui pra falar com a dona Marízia?
– Eu disse que
ia no caixa fazer um raio de um depósito. E só!
– Depois que o
senhor sacar o seu consignado, no caixa da dona Marízia, qual o ônibus que o senhor
vai pegar pra voltar pra casa?
– Nem vou
responder. Já chega.
– É no bolso
da frente ou de trás da bermuda que o senhor costuma levar o dinheiro sacado?
– Tsc...
tsc... Deixa pra lá, acho que vou embora.
– Uma última
pergunta: o senhor pode deixar umas folhas de cheques em branco, assinadas, com
a gente? Vai ficar aos cuidados da sua gerente, tá? E somente ela vai ter acesso ao
seu talão, ok?
Antes que eu
respondesse, incrédulo com a própria calma que eu vinha demonstrando até então,
aparece do nada uma outra gerente. De longe era possível ouvir o barulho dos
saltos dela e a sua caminhada firme em nossa direção. Nesse momento eu, o
guarda e a atendente já estávamos todos voltados para aquela figura que se
aproximava. Quando eu me preparei para uma nova sessão de contratempos e
insanidades, em forma de perguntas toscas e descabidas, ela se apresentou:
– Bom dia, eu
sou a Camila Parker, a sua gerente de conta. Tudo bem com o senhor?
Minha vontade
estava um tanto confusa nesse momento. Não sei se eu queria denunciar pra ela o
guarda que achou que eu era assaltante, se pedia a demissão sumária daquela
atendente doida ou se o caso era de detonar uma bomba em tudo e ficar do
lado de fora, só apreciando o estilhaçar dos vidros da fachada da agência.
Nossa, ia ser demais aquilo. Mas enquanto eu organizava os meus pensamentos ela
me interrompeu de novo:
– Quero lhe
dar uma informação importante. Primeiramente, o senhor nos desculpe por tudo o que
aconteceu aqui há pouco, mas esse é o novo procedimento desenvolvido para os nossos
correntistas aposentados. É que, estatisticamente, eles são sempre as principais
vítimas dos golpistas, dentro e fora da agência. Pensando nisso, e no bem estar
dos nossos clientes, o banco tomou as providências devidas e resolveu fazer
esta experiência, digamos, uma jornada educativa, um procedimento especialmente
elaborado pelo CEO internacional global do banco, para que os idosos não caiam
mais nesses golpes infames.
– E o senhor
se saiu muito bem – murmurou a atendente sorridente, seguida pelo aceno de cabeça do
guarda, já mostrando uma fisionomia bem mais amigável, sem o cassetete na mão.
Do nada, sem
nenhum aviso, uma sensação estranha foi surgindo em mim. Aos poucos foi me dando um alívio e eu fui
rememorando todo o ocorrido, avaliando os absurdos em sequência. Uns barulhos
indecifráveis também foram aumentando, acho que da oficina mecânica que fica ao
lado do meu prédio. Junto a isso, uma luz branca veio bater acima da cama e, por fim, toda essa conjunção de fatores me fez acordar.
Eu olhei devagar
pra todos os cantos do quarto, depois alcancei o celular, desativei o
despertador e puxei o bloquinho que fica na cabeceira, pra começar a anotar
todo aquele sonho, antes que eu me esquecesse de tudo.
Mas que porra de
procedimento!